31.5.07

P.303: No que depender de mim...

A vida corre se o que a faz mover depende só de mim. Gosto daqueles dias em que, volvida a manhã, tenho já a sensação plena do tempo útil. Gosto de encher pedaços de papel com lembretes de tarefas a executar e de ir “dando baixa” dos deveres cumpridos.
É quando as coisas dependem da interacção com os outros que elas se complicam, emperram, avolumam, pesam. É difícil adaptar ao ritmo alheio, sobretudo quando ele prima por uma desesperante lentidão. É penoso negociar ideias, gerir tempo, aceitar prioridades diferentes, atrasar o passo ou, pelo contrário, viver ansiedades evitáveis. Mas tudo isso se encontra e nos condiciona em família, no trabalho, no quotidiano dos serviços… Se a coisa é prometida para o dia seguinte sem falta e se escoam oito dias sem cumprimento, fico doente!
A dificuldade amplifica-se se o papel é de líder desinvestido da necessária autoridade, como tantas vezes acontece em estruturas intermédias de chefia da função pública. Responsabilidades sem poder é que nem triste escalada do monte das Oliveiras… E quantos não andarão carregando essa cruz?

28.5.07

P.302: Madamentos e desmandos


Os brasileiros são aquela enormidade de mais de 170 milhões. Basta que, digamos aí 1% deles se dedique a fazer apresentações em power point, daquelas muito moralistas, em mau português, cheias de flores, ou paisagens postaleiras, com letras coloridas e uma multiplicidade de efeitos de transição, de que são os principais produtores, e está justificado o número mensagens deste tipo que nos chegam reencaminhadas de diversos quadrantes, entupindo de mega-lixo a caixa de correio electrónico!
O cúmulo da “maldade” é quando, depois de várias frases de incitamento a sermos os mais perfeitos seres sobre a terra, vem a chantagenzinha final com prémio e ameaça: reencaminhe já este email para todos os seus amigos e os seus desejos serão cumpridos; se não reencaminhar poderá advir a desgraça! Alguém que, entre rosas orvalhadas e orquídeas delicadas tivesse formulado o propósito de se regenerar, fica logo esclarecido! :-)

27.5.07

P.301: Interpretação


De como, apesar da pegajosa lama, apesar da indispensável procura da sobrevivência, apesar da luz fugitiva do dia e da cinzentez do ambiente, se pode ser leve, subtil e gerar beleza…!

23.5.07

P.300: De Lisboa, com amor

No verso desta imagem bonita a preto e branco, que me chegou hoje em forma de postal, a mensagem colorida de alguém que recobra a força e a vontade de me escrever. Que bom!

22.5.07

P.259: Tintim, dos 7 aos 77

Hergé, recordado hoje na imprensa pelo centenário do nascimento. Fui leitora de muitos dos seus álbuns do Tintim e as primeiras imagens que tenho deles remontam mesmo a um tempo anterior ao da aprendizagem da leitura. Eram álbuns em francês, talvez de uma tia, que andavam lá por casa, no meio dos meus brinquedos.

Mas a leitura das suas aventuras, propriamente dita, começou com a revista “Tintim – dos 7 aos 77” e foi um acontecimento familiar engraçado, que hoje evoco como coisa bem diferente do tempo actual, pelo que tinha de partilha familiar e de espera paciente.
A revista era semanal e, tudo correndo bem, vinha à quinta-feira. A minha mãe e nós, os três filhos, aguardávamos a sua chegada ansiosamente e líamos à vez, respeitando a hierarquia das idades, as aventuras em episódios escolhidas por cada um. É que, para além do Tintim, havia outras Bandas Desenhadas, outras histórias e heróis. Eu gostava do Alix, o meu irmão preferia o Corto Maltese ou o Blake and Mortimer e todos líamos o Lucky Lucke. De cada história, apenas duas, três páginas, depois de aguardada a vez. E, concluída a leitura, mais uma espera até à próxima quinta, se tudo corresse bem, para conhecer a sequência seguinte.

Depois começou uma reedição dos álbuns, que a minha mãe adquiria talvez à razão de um por mês – que, na altura, tudo tinha conta, peso e medida – e voltámos ao ciclo de leituras, cada qual a instigar o leitor anterior para se despachar e dar a vez, mas agora já com mais “sustento”.

É bom quando as comemorações fazem emergir histórias, neste caso não só as escritas pelo autor ou as vividas pelas suas personagens, mas a história de certa família unida na sua leitura.
(imagem googleada)

21.5.07

P.258: Um certo olhar

mediático sobre a realidade regional trasmontana, procura – por razões de facilidade? de gosto? de garantido sucesso da reportagem?... – sempre o mais rude dos populares, o transeunte com ar menos esclarecido, o beco mais rural, o pardieiro mais pobre, para fixar a sua câmara. E dessa forma constrói uma imagem para a nação: a de que em qualquer ponto desta região pisamos bosta quando saímos à rua, bebemos sopas de vinho ao pequeno-almoço e temos como súmula do divertimento a oração e a decoração de andores. Isto, claro, quando não estamos a fazer enchidos ou a lavrar as leiras.
Se o tom parece caricatural, a mim também me soa a ridicularização essa perspectiva quase única que não diz da diversidade e da evolução. Para o bem e para o mal, não somos já só esse quadro pitoresco, por muito que ele continue a agradar ao citadino dos “grandes centros”, se os há em Portugal, ou aos pobres de ideias jornalistas locais e nacionais.

20.5.07

P.257: A vaga de calor

Na mudança das grandes estações – entrada no Verão ou no Inverno, não só, mas principalmente –, a meteorologia ganha vedetismo e vem sendo moda, desde há uns poucos anos, os meios de comunicação social convidarem “analistas especializados” (vá lá que para isto não vem o Nuno Rogeiro! Nem sei como tal…!) para virem falar das vagas de calor ou de frio, anunciarem “medidas” e fazerem os seus aconselhamentos preventivos à população. São estes que me fazem sorrir, em dias de paciência e de menor intolerância. É que os ditos conselhos são tão lapalissianos que chegam a impressionar e não convém que nos apanhem de mau humor.
No caso actual do grande calor anunciado, do que tenho ouvido, tirando a questão da importância da hidratação, que pode de facto não ser do conhecimento de alguns, tudo o resto me parece de uma gritante evidência! Deve vestir-se roupa fresca de algodão?! Não me digam! Estava mesmo a pensar usar as minhas malhas e fazendas… Deve evitar-se sair nas horas de maior calor. A sério?! Quem diria!... Deve arejar-se a casa ao fim do dia e manter as persianas fechadas nas horas de sol. Gosto mesmo destas ideias completamente inovadoras!... E o que estes, e outros tão valiosos conselhos como estes, rendem de tempo de antena?!
Enfim. É caso para dizer: como é que sobrevivemos antes dos senhores especialistas terem arranjado este extra salarial? E os antepassados…?! Mistérios…

19.5.07

P.256: Informação, mente, transmissão...

Fui memetizada! Nem sempre nos acontecem coisas de que nem suspeitávamos e por isso era impossível não responder! (Sorrio) A responsável explica do que se trata e seduz-me com uma frase de confiança responsabilizadora. (Novo sorriso)

Deixo, então, uma selecção de ideias. Pureza, optimismo, aventura, sonho, loucura, ambição, rectidão. Mas também, consciência da mediania e do desânimo… Porque toda a medalha tem reverso, toda a força tem fraquezas e não há coragem sem medos.
Ideias que me dizem e dizem de mim. Se bem entendi o espírito da coisa, é isto que se espera. Será?
Recolhi-as em escritores que tenho à mão. É no discurso literário que uma certa filosofia se me torna mais amável.

Para “propagarem” outros memes, escolho
...

Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade e o coração, depois, não hesite.

In Torga Miguel, Portugal, «Um Reino Maravilhoso»
...

Em qualquer aventura
O que importa é partir, não é chegar.

In Torga Miguel, Câmara Ardente, «Viagem»
...

Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia
Cadáver adiado que procria?

In Pessoa, Fernando, Mensagem, «D. Sebastião, Rei de Portugal»
...

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

In Reis, Ricardo, Odes
...
Um pouco mais de sol – eu era brasa,
Um pouco mais de azul – eu era além.
Para atingir, faltou-me um golpe de asa…
Se ao menos eu ficasse aquém…
In Sá Carneiro, Mário, «Quase»
...
Levanto o espelho à sociedade
Vê o reflexo da mediocridade
De uma vida sem vontade sem acção sem mudança
Estagnado a ver a ascensão de quem avança

Excerto da letra «Contra a nostalgia», música hip-hop (inédito, da autoria do meu filho)

18.5.07

P.255: Centro de Estudos Islâmicos

Destaque para a notícia da inauguração, ontem, do Centro de Estudos Islâmicos, em Mértola.
Durante anos vivi ignorando a história dos séculos de permanência árabe no território que viria a ser o de Portugal. Durante anos ignorei o quanto essa minha ignorância tinha de responsabilidade oficial. A “narrativa histórica” dos meus anos de aluna não sumariava sequer esse tempo, elidia-o por trás de um “vieram os árabes”, “foram expulsos os mouros” e muito pouco mais, versando heranças agrícolas, matemáticas e linguísticas. E entretanto? Só mais tarde a interrogação se plantou na minha frente, como um ovo de Colombo de evidência insuspeitada. E, desde então, empreendi algumas procuras e fiz algumas descobertas de leiga interessada nestes sucessos.
Das visitas a locais do roteiro peninsular indispensável faltam-me Silves e Granada. Do já percorrido, ficaram em lugar especial na memória a bela Mértola, com a sua antiga mesquita e museu; e o pequeno Alcazar de Sevilha onde pude, há vários anos, experimentar o prazer de uma trégua contemplativa e fresca, numa indolência meridional evocativa.
Também Tavira tem vindo a fazer valer a importância do seu testemunho, com a abertura de um museu e a organização de passeio turístico alusivo.
Mas é a literatura desse período que, porventura, mais desconhecemos. E, no entanto, foi de grande riqueza, como o atestam nomes como Ibn Sâlih Al-Shantamarî (Faro, séc. XII), Ibn Bradun (Silves, sécs.XII-XIII), Al-Mu’tamid (Beja, séc. XI), Ibn ‘Abdûn (Évora, séc. XI).
Dos poucos poemas da época que possuo e conheço, transcrevo o que se segue, de que gosto pela sua beleza simples.
A partir de agora podem fazer-se estudos aprofundados sobre o tema, no inspirador cenário alentejano. Quem sabe um dia ainda troco esta traseira granítica de montanha pela planura branca e loura dessas terras mais a sul…!


Só eu sei quanto me dói a separação!
Na minha nostalgia, fico desterrado
à míngua de encontrar consolação.
À pena no papel escrever não é dado
sem que a lágrima trace, caindo teimosa,
linhas de amor na página da face.
Se o meu grande orgulho não obstasse
iria ver-te à noite: orvalho apaixonado
de visita às pétalas de rosa.


Al-Mu’tamid
(Fotografias de Mértola de Carlos Sampaio)

16.5.07

P.254: Ao S.

A foz do rio e um revoltoso mar de saudade...

15.5.07

P.253: O culto do corpo

No trabalho, alguém do sexo feminino se queixou de ter esquecido a garrafinha do chá com que, invariavelmente, vai enganando a fome para comer menos. E alguém do sexo masculino se interrogou sobre os responsáveis deste sofrimento a que hoje tantas mulheres se sujeitam: culpa delas, culpa dos homens, culpa do marketing…? A pergunta ficou no ar e eu lembrei-me destas palavras que completam o retrato e que, embora referindo-se à sociedade norte-americana, andam muito próximo, já, da nossa realidade… Estamos a ficar assim!... (E eu não estou inocente).

«A comida (…) é o nosso prazer e a nossa punição, o nosso bem e o nosso mal. Como aconteceu com a histeria há um século, a comida converteu-se no foco de uma obsessão cultural que tem infectado um elevado número de pessoas, sem que estas fiquem gravemente doentes devido a distúrbios alimentares. O jogging fanático, a ascensão dos health club e das lojas de comida saudável, o rolfing, as massagens, as terapias vitamínicas, as lavagens ao cólon, os centros dietéticos, o bodybuilding, a cirurgia plástica, um horror moral face ao tabaco e ao açúcar, um terror dos poluentes, tudo isso remete para uma ideia do corpo como algo de extremamente vulnerável – um corpo cujas fronteiras podem desabar a qualquer momento, um corpo que vive sob uma ameaça constante. (…) Numa época que absorveu a ameaça nuclear, a guerra biológica e a SIDA, o corpo perfeito tornou-se uma armadura – dura, reluzente, impenetrável».


In Aquilo que Eu Amava, Siri Hustvedt

12.5.07

P.252: Ainda a solidão


A de um fim de dia, num ninho não partilhado...

11.5.07

P.251: Esconjurar a solidão

(palavra em jogo no Fotodicionário)

Percorri as prateleiras, recordei leituras, recolhi os títulos e, separando-os dos vizinhos habituais isolei os livros e dispu-los no novo local, para a fotografia.
Vieram, com as suas páginas de solidões narradas ou poeticamente confessadas.
Trouxeram também, por interposto caminho, a recordação da extraordinária descoberta da companhia da leitura e do prazer nela.

10.5.07

P.250: Leituras...

Porque as minhas reflexões têm andado um pouco à volta de características nacionais, recordo aqui dois textos de um homem inteligente e sensível, implacável nos seus julgamentos como são tantas vezes aqueles que vêem com uma clareza excepcional: Fernando Pessoa.
Trata-se dos artigos “O provincianismo português[1] e “O caso mental português[2] e a mim sugerem-me uma autópsia ao carácter luso, dissecadas que são, metodicamente, as suas características e tendências.
A análise é genérica e muito pouca gente representará a excepção à regra que abraça quase todos. Mas não há como negá-lo: é a nossa fotografia, um daguerreótipo que continua de grande actualidade na era do digital! São pequenos textos, mas grandes leituras.

Publicados conjuntamente pela Editorial Nova Ática, transcrevo um excerto da conclusão do segundo artigo:
«Ora, feitos estes reparos analíticos quanto ao estado mental dos nossos homens de talento, é inútil alongar este breve estudo, tratando com igual pormenor o resto do escol. Se o escol do escol é assim, como não será o resto do escol? (…) O nosso escol político não tem ideias excepto sobre política, e as que tem sobre política são servilmente plagiadas do estrangeiro – aceites, não porque sejam boas, mas porque são francesas ou italianas, ou russas, ou que quer que seja».

[1] In «Notícias Ilustrado», nº9, série II, Lisboa, 12 de Agosto de 1928.
[2] In «Fama», nº1, Lisboa, 30 de Novembro de 1930.

8.5.07

P.249: As Vidas dos Outros

Título original: Das Leben der Anderen
Género: Com/Dra
Classificacao: M/12
ALE, 2006, Cores, 137 min.


Decididamente, o melhor cinema que tenho visto ultimamente, excepção feita a Babel – e mesmo nesse o inglês não é exclusivo – , fala-se em línguas estranhas ao hábito do meu ouvido, o que costuma ser um factor limitador do gosto de assistir, mas não quando a fita tem uma qualidade capaz de me fazer esquecer essa estranheza e render ao todo que a compõe.


«As Vidas dos Outros» foi um filme bastante premiado e vendo- -o percebe-se porquê. Período complexo da história recente da Alemanha, a Oriente, vivido por personagens densas, trabalhadas nas suas constâncias e volubilidades, nas suas fraquezas, nos gestos generosos e inesperados, nas espontaneidade, cautela ou crueza com que reagem às circunstâncias. É ficção sobre um real possível, um quadro que conhecemos ainda quase só reportado pelos media. E uma história que vai resgatar a beleza onde ela existe, e sempre existe, ao soturno correr dos dias que antecederam a liberdade.
Ideias fortes. Caracteres, fantoches e gente mais ou menos. Corrupção política. Evasão em várias formas. E ideais: verdadeiros, de fachada ou perdidos…
Termina com o meio sorriso de uma felicidade discreta, verdadeira.
Muito bom filme!
(Imagens: Teatro de Vila Real e Site Oficial do filme)

P.248: Incursão por tema inusitado

Com o devido respeito, que acho saudável ter pelas instituições, os seus representantes, as hierarquias, tenho vindo a reparar que o senhor Presidente da República sofre de um problema retórico de tautologia. Consiste esta em dizer sempre a mesma coisa em termos diferentes, adicionar expressões supérfluas ao já dito, repetir desnecessariamente, ser redundante.

Hoje, interrogado sobre a greve geral que se anuncia, lá afirmou que a greve é um direito democrático, deu várias voltas a esta ideia, sempre a mesma, e dali não saiu! Já toda a gente percebeu o seu estilo contido, cauteloso – chego a imaginá-lo com cãibras, de tão contraído. Mas, tamanha pobreza de palavras pode criar suspeição de igual pobreza de ideias… o que seria lamentável e pode até ser injusto.

Os meus alunos são penalizados pelas tautologias que cometem nos trabalhos escritos. Por um lado, ainda bem que esta malta não presta atenção aos nossos altos dignitários…

(Imagem: rfi Português do Brasil)

5.5.07

P.247: O último dia

Se somos bons nos doces (ver p.246) – pelo menos a comê-los a coisa corre lindamente –, somos muito, mas mesmo muito maus no respeitante a prazos. Esta nossa indolência e balda, espécie de atracção fatal pelo último dia, parece até ser mal hereditário ou ensinamento passado de geração em geração! É como se fosse vantajoso e obrigatório esgotar todo o tempo concedido e só os tolos não o fizessem…! Depois, claro está, como os contratempos existem e geralmente se reservam justamente para a última hora – já é má vontade dos contratempos, não aparecerem em momento mais oportuno! – conta-se ainda com o pedidozinho, a benevolenciazinha… são só mais umas horinhas, um dia, uma semana… Que é isso?!

Por conta dessa balda vi eu ontem a minha secretária encher-se de trabalhos para corrigir no fim de semana e próximos longos e penosos dias. A tarefa estava marcada desde meados de Setembro e não havia tempo mínimo para a sua execução, apenas um prazo máximo que terminava precisamente, adivinhe-se… ontem. A dois dias do fim, um aluno aproximou-se da minha mesa lentamente com duas folhecas na mão e um ar de herói desta e da galáxia vizinha: fora o único a não esgotar completamente o prazo, queria recolher dividendos! Ontem, durante toda a manhã choveram os restantes e, já de regresso a casa, a meio caminho do carro, vem ainda ao meu encontro uma funcionária a quem uns quantos retardatários da ultimíssima hora haviam delegado a incumbência da entrega. Não exagero nada.

E assim, os meus digníssimos e pré-universitários alunos estão preparados para serem uns verdadeiros cidadãos portugueses, entregarem o seu I.R.S.zinho no último dia do prolongamento do prazo e fazerem bicha para a semanal aposta no Euromilhões…

4.5.07

P.246: Ovos e açúcar

À volta da mesa, alguns portugueses com experiência de vida fora, na Europa e no Norte de África. A refeição fora até um pouco improvisada, mas para a sobremesa havia finas e boas Cristas de Galo, doces da minha terra, que não só adoçaram a boca, como conduziram a conversa para o tema da nossa doçaria conventual… E, de facto, há que reconhecê-lo: somos bons nisso!
Por contraste, relataram-se experiências com os bolos vistosos da Bélgica, que, provados, nem doces são. Evocaram-se as tartes francesas, sem dúvida variadas, mas… Lembrou-se o estafado Apfelstrudel alemão. Alguém referiu até os doces marroquinos e tunisinos, de formatos variados e gostos muito semelhantes entre si.
Mas quando entrámos no reino da doçaria portuguesa, os olhos gulosos brilharam a cada nomeação! Muitos ovos, muito açúcar, amêndoa, massas finíssimas, hóstia, pouquíssima farinha… e uma variedade infindável de receitas, cada região com as suas e, no conjunto, uma overdose de ingredientes ricos que nunca, antes, fizeram de nós um país de gordos!

Entre os meus conhecidos e preferidos contam-se:

De Vila Real:
Pastéis de toucinho ou Cristas de galo
Pastéis de Santa Clara
Tigelinhas de laranja
Pitos de Santa Luzia



De Murça:
Toucinho do céu
:::
De Chaves:
Auroras
:::
De Amarante:
Papos de anjo
Conventuais
:::
De Aveiro
Ovos moles
:::
De Tentúgal:
Pastéis de Tentúgal
:::
De Sintra:
Queijadas
Travesseiros

:::
Do Algarve:
D. Rodrigos
Morgados
(Fotografia das Cristas de Galo gentilmente cedida pela minha colega O.D.)

3.5.07

P.245: Limitações...

... de uma árvore, da fotografia que a regista e da Natureza que a rodeia.

(em jogo no Fotodicionário)

Esta espécie de rosto com que fito são os cotos dos meus braços cortados, limitações na envergadura e na sombra, arbitrária ou justificada razão de alguém que me mutilou e me deu, para sempre, este ar surpreendido de árvore de desenhos animados…
Novamente limitada, no retrato que de mim mostra só o busto e os antebraços erguidos, opção de quem não me quis mostrar inteira.
E se me cubro só de verde e me rodeiam variantes da mesma cor, numa limitada paleta cromática, a limitação é sazonal. Venha o Outono e contaremos juntos os deslumbramentos coloridos desta minha Natureza!

1.5.07

P.244: 1 de Maio

Um texto que prova quão bonito pode ser falar de justiça social, de liberdade responsável, de comprometimento, de harmonia... sem frases feitas, nem repetições cansativas.
Um ideal justíssimo, que eu gostava de pensar não ser utopia...!

P.243: Maio


Água de Maio, pão para todo o ano.
Água de regar, de Abril e Maio hão-de ficar.
Chovam trinta Maios e não chova em Junho.
Em Maio, nem à porta de casa saio.
Fraco é o Maio que não rompe uma croça.
Maio, ao princípio chuvoso e no meio pardo, enche o saco.
Maio chocoso e Junho claroso, fazem o ano formoso.
Maio chuvoso ou pardo, faz pão vistoso e grado.
Maio frio e Junho quente, bom pão, vinho valente.
Quando em Maio não troa, não é ano de broa.
Em Maio, as cerejas, a velha come-as ao borralho.
Abril chuvoso, Maio ventoso e Junho amoroso, fazem um ano formoso.

Um longo adagiário de Maio lembra-nos que o mês deve ser ainda de alguma chuva e frio… mas a paciência citadina anda já esgotada e o apetite é de tempo mais luminoso e quente. Não tarda andaremos derretidos de calor e suspirando por uma frescura! É assim nesta minha terra de estações extremas.