29.4.08

P.427: Ventos que levam mais que a flor...



Pedem os velhos que os deixem viver os tempos finais na tranquilidade dos ambientes conhecidos, que a idade presta-se mal ao desenraizamento…
Pois chegada a hora de um certo descanso e tendo mesmo ganho encantos que não tiveram em novas, deve ser com grande dor que as oliveiras centenárias de Trás-os-Montes se vêm agora arrancadas do seu solo, amigo de sempre, para empreenderem aventurosas viagens rumo a jardins estrangeiros e desconhecidos!
Tanta azeitona criada, tanto azeite vertido, para, por cento e cinquenta euros de rendimento fácil, serem arrancadas ao remansoso convívio entre vizinhas de tantas décadas, serem exiladas da paisagem em que sempre foram protagonistas!
As mais retorcidas e nodosas, ou as mais finas e delicadas, as de maior ou de menor envergadura – que isto de gostos, até para escolher oliveiras, há-os aos centos – lá vão seguindo para França e (pasme-se!) para o Dubai, numa emigração forçada que troca a utilidade natural pelo capricho de um enfeite.
E esta terra nordestina, de tantos homens foragidos, vê agora, também, partirem-lhe as árvores…

(A partir de notícia de hoje, no programa «Portugal em Directo», da Antena 1. Fotografia de Carlos Sampaio)

28.4.08

P.426: Muralha

Subir a descida. Correr o vagar. Encher os olhos de um vazio de queda. Pairar na vertigem.

25.4.08

P.425: É frágil a liberdade...

Hoje queria ter feito uma bonita jarra de cravos vermelhos. Foi um pensamento da manhã e neste fim de dia escrevo sobre essa vontade que acabei não satisfazendo.

Há muito que não sentia necessidade de comemorar a revolução, perfumando e colorindo simbolicamente de liberdade o espaço do meu lar. Creio até que nunca tinha sentido o significado deste dia com a consciência de agora. Anos de comodidade firmada nas garantias de liberdade tornam-nos menos atentos e menos acarinhadores do bem precioso!


Os tempos, porém, têm sido sacudidos de prepotências governativas e a vigilância acordou. Voltou a fazer sentido clamar contra o totalitarismo, denunciar actividades atentatórias da liberdade de expressão e manifestação, desmascarar a propaganda dos “da situação”! Não é o que foi dantes, mas vai tendo algumas semelhanças. E o modo sub-reptício e progressivo como tem vindo a acontecer deve manter-nos de sobreaviso. A História ensina como grandes erros se repetem em curtos espaços de tempo…
É preciso zelar pela liberdade, sempre!
(Cravos gentilmente cedidos por... imagens do Google...)

23.4.08

P.424: Feias, (porcas?) e más

Depois de mim virá quem de mim bom fará”, diz a máxima popular.
Com Manuela Ferreira Leite parece ter-se já aplicado o princípio. Vista como um expoente máximo de rigor frio, inumano, nos seus exercícios de governação, aparece hoje com a imagem reabilitada, colocada num (justo?) meio termo entre o laxismo e amadorismo de colegas de partido e as intransigências autistas dos adversários socialistas no governo. O que o tempo faz!
E, por isso, penso, inquieta: será que, um dia, vem a acontecer o mesmo a Maria de Lurdes Rodrigues?!!... Longe vá o agoiro! Mas, se tiver que ser, pelo menos que se aplique ao seu caso esta outra orientação do povo, igualmente sábia: “Não há mau tão mau que não melhore com pau”…
(Fotografias do Google)

21.4.08

P.423: Personagens modeladas







A Terra é uma narrativa colossal. As acções, os conflitos, os avanços e as pausas, as personagens de diversas concepções, tipos, importâncias, os espaços e os tempos – de todos os lugares, de todas as eras – multiplicam-se…
Como se multiplicam as visões da história em que cada um de nós é narrador.

Amanhã, Dia da Terra
(celebração da Nasa)

19.4.08

P.422: T.I.C.: ensinar ou deixar aprender?

Não é a primeira vez que aqui falo deste assunto, mas é sob um prisma diferente que o abordo hoje: o da responsabilidade política na descoordenação do ensino das Tecnologias da Informação e Comunicação nas escolas públicas.
Durante uns quatro ou cinco anos, com término no presente ano lectivo, existiu uma disciplina de T.I.C. no 9º e 10º anos de escolaridade. Os seus programas eram, tanto quanto sei, simples, de iniciação, concebidos “na óptica do utilizador” e preparando para o conhecimento e uso correcto de programas do Office e para a criação de páginas Web. Era pouco e foi muito contestado, sobretudo por alunos que se queixavam da extrema facilidade – embora os resultados não fossem, no geral, famosos!... Falta de motivação? – e questionavam a sua utilidade. A disciplina foi extinta no 10ºano.
De facto, em muito do que se faz no computador podemos ser autodidactas. Não impede que, dessa forma, os conhecimentos adquiridos variem muito, segundo a necessidade sentida, o interesse, a persistência, o equipamento informático que se possui ou não...

Agora, nas escolas de Terceiro Ciclo e Secundárias, já não se ensina informática, a não ser em alguns cursos específicos. No entanto, curiosamente, os programas de todas as outras disciplinas do 10º, 11º e 12º anos, que continham a obrigatoriedade de avaliar as competências dos alunos nesse domínio considerado transversal, não foram alterados. Avalia-se, portanto, aquilo que não se ensinou. Por outro lado, os avaliadores, professores de todas as áreas do ensino, são eles próprios autodidactas no que respeita ao saber avaliado, alguns até com muito pouco caminho feito nessa aprendizagem! Amplamente representadas nas propostas de formação de professores, as Acções de T.I.C. nunca foram obrigatórias e a sua frequência e escolha dos domínios específicos foi sempre uma opção de cada docente.
Entretanto, encheram-se os discursos de “planos tecnológicos”, assinaram-se protocolos de venda de computadores com condições especiais… mas minados de problemas na logística da compra e venda e mesmo problemas técnicos… Mas isso fica para uma outra charla.

18.4.08

P.421: CRASH à portuguesa

11h da manhã. Circulação moderada na cidade. Subia ele uma rua inclinada e, de repente, trás, pancada forte na traseira do carro. Era só o que lhe faltava agora! Quem seria o animal?
O animal era um polícia que saiu atrapalhado, justificando-se. Vinha a falar ao telemóvel, recebera uma chamada de emergência… De mal a pior! O que é que aquilo iria dar?... Bom, fosse quem fosse, há procedimentos a respeitar. Sinalizar os veículos imobilizados, antes de mais. Mas o chui não tinha triângulo! Afastou-se um pouco o carro para o meu amigo aceder à mala e disponibilizar o seu… Depois, houve que bufar ao balão, ambos os condutores, é de lei. O Sô guarda acusou 0,3 graus de alcoolemia…! Dois bagacitos depois do café?...
Sem comentários.

16.4.08

P.420: Voz


Um dia mundial, para reflectir sobre ela em diferentes domínios, que vão da fisiologia às artes.
O meu pensamento vai sobretudo para a voz instrumento de trabalho, que, na minha profissão, tão mal tratamos! Fazia sentido, na formação de professores, uma cadeira sobre voz, como no canto e no teatro, para aprender a cuidar dela, usá-la bem, saber colocá-la e produzir com ela bons efeitos.
Talvez ainda não me seja tarde. E, com a idade de reforma adiada, é capaz de valer o investimento! :-)

P.419: FamíliaS


«A segunda família», crónica “Porque Sim” do doutor Daniel Sampaio, na Pública de 6 de Abril, faz um retrato fiel do ser, do ter e do fazer diário dos nossos adolescentes e jovens. Mãe e professora de gente nessa faixa etária, fiquei presa à visão de certa forma exterior do autor, à clareza que essa exterioridade e um espírito analítico experimentado permitem.
A escolha e aproximação à designada “segunda família” é feita pelo jovem e esta é composta por colegas, amigos, contactos na internet, uma rede relacional que secundariza a família e onde imperam o consumo, o prazer, o espectáculo. Os pares de amigos – havia sempre um mais chegado – foram substituídos por grandes grupos de gente que nem sempre se conhece verdadeiramente ou contacta presencialmente. E a televisão e o cinema deixaram completamente de produzir ídolos que, a par de alguns da música (bastante menos endeusados do que os de gerações anteriores), passaram a ser “sites” e programas de conversação.
Uma socialização que se faz desta forma, não só foge ao controlo da família, como cava um fosso de desconhecimento entre pais e filhos, entre adolescentes e adultos. O garoto que vinha tocar umas guitarradas e ficava para jantar com a família do amigo, já pouco dá a cara, se é que sabemos que existe e quem é…

11.4.08

P.418: Narcisa

. . . . . .

Emergem os traços do tempo, da sorte, das ilusões…
E é um coração, pulsando incerto, que vejo no meu rosto, em fugazes contemplações sem a magia do enamoramento.
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Post scriptum (des)construtivo
Parte-se da lenda e há de facto um eu que se contempla.
Desta vez a superfície foi o vidro e o que os olhos viram a máquina fixou.
Quem vê caras não vê corações, diz-se. Mas é o contrário disso que sinto quando olho, criticamente, o meu rosto. Ele reflecte muito do que sou e do que sinto, o que materializo na imagem do coração pulsante e incerto.
E não me enamoro de mim, como Narciso, preso na magia de um feitiço, por isso são fugazes as contemplações.

9.4.08

P.417: Em desacordo

Não é embirração, penso eu… :-) É que não havia nexexidade…!


Os argumentos não me convencem e continuo a ver a uniformização mais como perda do que como ganho. Aliás, uniformização não existe, apenas aproximações. E algum dia a diversidade ortográfica impediu a comunicação?!

8.4.08

P.416: Persepólis

Na minha memória cinéfila, um filme ocorre no topo das obras com este perfil: A Vida é Bela, de Roberto Benigni. Ontem, porém, aventurei-me no campo da animação com uma proposta surpreendente e de grande qualidade a este nível: Persepólis.
A história tem tudo para revelar tragédias pessoais e colectivas do povo iraniano, uma vez que percorre a infância e adolescência de uma jovem que cresce durante a Revolução Islâmica. Mas o filme nunca procura a comoção fácil, na senda de uma moda que, na literatura, vem fazendo proliferar e vender histórias do mundo muçulmano no feminino. E é justamente pelo humor, pelo ritmo, pelo recurso a efeitos especiais de animação, de aparência muito simples mas de grande efeito narrativo, que ele atinge o equilíbrio.
Construído a partir da Banda Desenhada original de Marjane Satrapi – também personagem principal –, assinam a realização Vincent Paronnaud e a própria Marjane Satrapi.
..
O mesmo filme, um outro olhar.

6.4.08

P.415: Sobrevoando desconhecidos domínios

Uma das anedotas contadas em família como história verídica passada no Liceu da terra, é a de um aluno "cabulão" que, não sabendo sobre classificação de aves, respondeu ao professor de Ciências que a classe se compunha de pássaros passarinhos, passarões, aves de rapina e melros… A história suscitou sempre sorrisos, tanto pela sua ousadia, que a escola do tempo não era para estas brincadeiras, como pelo insólito pormenor dos melros no termo de uma classificação tão imprecisa.
Lembrei-me disto quando, há uns dias, soube de uma actividade de observação de aves num parque da minha cidade e nela me inscrevi. Pensei que, bem vistas as coisas, também para mim, tirante os melros, os canários, andorinhas, pombas e pouco mais, o passaredo se dividia quase só em tamanhos, chilreios e umas visões fugazes de cor.
Parecíamos um grupo de caçadores, substituídas as espingardas ao ombro por binóculos ao pescoço e a vontade de matar pela de ouvir e ver. As histórias dos observadores fervorosos pareceram-me, aliás, muito semelhantes às da caça: fixam dias e locais e quantidades e peças raras… E perdem-se em discursos emocionados sobre as suas façanhas!
Tantas vezes já palmilhei aqueles caminhos sem nada saber sobre estes seus habitantes ou visitantes sazonais! E quem não sabe é como quem não vê – diz o povo – e como quem não ouve, acrescento eu. É que a primeira percepção da ave, para quem se trata por tu com elas, faz-se quase sempre pela voz. Ouvir uma Toutinegra, um Melro e um Verdilhão e saber quem é quem, não se aprende na primeira lição… Mas tudo vai de começar.
O Guarda-rios foi o ilustre ausente mais procurado e entre os mais marcantes observados o Pisco-de-peito-ruivo e o Melro azul pela sua beleza, o Chapim-rabilongo pela sua graça, o Bico-de-lacre pelo exotismo e a Trepadeira-azul pelo curioso vaivém nos troncos das árvores.

(imagens "googleadas")