29.9.07

P.354: Capacete Dourado

Percursos de adolescentes inquietos é o que menos preciso ver em filme.

Mas quem é a provinciana que resiste à sensação nova de ver a sua cidade tornada palco da fita no grande ecrã?! As ruas do seu quotidiano, a escola onde estudou e trabalhou, a paisagem circundante, lugares tão seus conhecidos sucedendo-se na tela de um filme “a sério”?!


No entanto, as estranhezas da película são muitas e nem todas tão agradáveis quanto ver as águas modestas do rio Corgo correrem velozes ao som do Danúbio Azul…!

Estranheza maior é ouvir, por estas bandas, chamar setôras às profs, chavalos aos putos; e um sotaque muito lisboeta a gente supostamente do lugar…

Isto, porém, são ainda estranhezas de somenos importância. Verdadeiramente assinalável é que por aqui a escola não é, felizmente, essa instituição deprimente, toda vocacionada para os conflitos da prepotência e da insolência…! Onde quer que se tenha inspirado, Jorge Cramez enxertou, na velha cepa constantemente renovada do meu Liceu, ramos alheios e inúteis de rebeldias sem causa!

Ver o filme acaba por ser, também, fazer um percurso inquieto, buscando entre as cenas um rumo de história…

27.9.07

P.353: Rituais


25.9.07

P.352: Nova TLEBS

ou «A Gramática do Eu».

Sempre pensei no valor pessoal associado a “algum”. Por consciência, modéstia, imodéstia… separadas ou conjugadas, tendi sempre a recusar o “muito” e o “pouco” que, ainda que de amplas nuances subjectivas na aplicação da quantidade, foram sempre, apesar disso, exactamente advérbios da dita e nem mesmo a nova gramática, tão pronta a baralhar e dar de novo, lhes arranjou, até ver, classificação diferente inequívoca.

“Algum” servia-me, como indefinido que apenas recusa a nulidade, ponto extremo do fosso a que nunca cheguei na concepção de mim. “Algum”, determinando valor, era a indefinição que convinha à minha timidez pontuada por picos de ousadia, à minha confiança sempre assaltada de dúvidas, ao intercalar dos sucessos e dos fracassos…

Foi assim anos e anos: eu servida da palavra e a palavra servindo à minha realidade.

Mas, não há tranquilidade que sempre dure! “Algum” passou-se; ou, melhor dizendo, passaram-na. Mudou de classe, de lugar na arrumação das palavras, de rumo. Não perdeu a indefinição, não senhor. Mas ingressou na classe nova dos “quantificadores”!

E o meu valor, que sempre se quis indefinidamente determinado, passou a ter uma quantificação indefinida, o que faz… alguma diferença…!! :-))

23.9.07

P.351: Caleidoscópio

A informática é uma das áreas do saber em que o conhecimento dos cidadãos mais cresceu nos últimos tempos, mas também um dos mais claros exemplos de crescimento selvagem e desorganizado.
Por necessidade, sobretudo, por curiosidade e gosto de uma forma minoritária, a população portuguesa
já fora da escolaridade durante o boom da última quinzena de anos, lá foi progredindo no domínio de uma ou outra ferramenta mais necessária à sua vida, muitas vezes avançando por tentativa e erro ou seguindo o conselho da vizinha. É fácil isso acontecer num domínio em que é sempre possível (ou quase…) voltar atrás, recuperar, reposicionar, limpar…

E quando ao uso do computador se associou e vulgarizou a Internet, mais se pulverizaram os comportamentos que dividem hoje a população numa diversidade enorme de casos, que vão do utilizador completamente viciado ao indivíduo que a rejeita ou mesmo aquele que ainda ignora a existência.

Na minha profissão não há quem possa ignorar a informática nem a Internet, mas há, sem sombra de dúvida, quem gostaria de ter podido continuar a ignorá-las…! Num universo de licenciados, não são raros os que ainda têm que esperar pelo marido, pelo filho ou pelo gato para abrir um e-mail de trabalho…! Nem, tão-pouco, os que desconhecem como se criam pastas para guardar ficheiros no computador, ou se atrapalham com o duplo clique do rato…

No outro extremo, verdadeiros experts que nem sempre são, curiosamente, professores da área, esses mais virados para as obscuridades da programação e outros domínios ocultos, negligenciando bastante a chamada “óptica do utilizador”…

20.9.07

P.350: Memória

Há no meu olhar uma ternura triste que vem de ti, mas são os risos irresistivelmente partilhados, a força segura das tuas mãos e braços, o que mais me falta.

17.9.07

P.349: In nomine dei

Mas que deus, afinal?

A pergunta não é, evidentemente, de hoje e geralmente, quando me aflora o espírito, surge em situações mais sérias – ou talvez seja mais correcto dizer surgia, porque há muito que a questão não se me coloca, não por falta de conhecimento e vivência de situações dramáticas, mas pela falta de evocação de deus a elas associada.

Hoje, porém, foi o cartaz promocional de um livro, na livraria Bertrand, que de imediato me suscitou a pergunta. Trata-se da obra Bala Santa e sob o título – já de si suficientemente polémico… Bala “Santa”…! Medição de forças entre o mal do nome e o bem do adjectivo…? – a letras gordas no cartaz, uma frase atribuída à irmã Lúcia: «Nenhuma bala pode matar se essa não for a Sua vontade» (Irmã Lúcia numa carta a João Paulo II).

O meu pasmo não podia ser maior! Que a pobre da irmã Lúcia tenha dito ao Papa que os milhares de pessoas deste mundo que morrem baleadas, crianças e demais inocentes incluídos, morrem por vontade de deus, é surpreendente, mas tem que ser desculpado, à luz da inimputabilidade de alguém que devemos perdoar porque, com toda a evidência, não sabe o que diz… Mas, que pensar do autor do livro, que provavelmente usou e teceu enredo em volta destas palavras?! Que achar do promotor da obra, que reproduz uma tal enormidade no seu cartaz…?!

Os maiores inimigos de deus falam geralmente em seu nome ou medram na sua sombra!

16.9.07

P.348: De Que Falamos Quando Falamos de Amor

É o título de um livro, de Raymond Carver, lido há muito, onde, justamente, não se fala de amor.
Recordo-o pela ideia clara de que a Babel, aquela da surdez e da incompreensão mútuas, é um tempo presente e um lugar com dimensão planetária!
Sinto-me, por vezes, numa torre, vítima da maldição lendária, recebendo em eco a imagem sonora e virgem que contém a compreensão de mim…

15.9.07

P.347: Ferrugens

Atmosfera

História


Descuido

12.9.07

P.346: Traumas sociais


Os traumas são, de facto, coisas difíceis de vencer. Quando o assunto é pessoal, o drama circunscreve-se ao indivíduo, atingindo, quando muito, a sua família. Mas há traumas nacionais e esses são bem mais extensamente nocivos.

Na educação há um “trauma de estimação” que é o que afecta o ensino técnico e profissional. Permaneceu até hoje, numa franja de professores e da sociedade em geral, um estigma, quanto a mim deturpado, que tem que ver com as antigas Escolas Industriais. Não entenderam esses cidadãos que, depois de instaurada a democracia, era o estigma que devia desaparecer e não a escola em si e os seus cursos…. O que devia desaparecer era uma “predestinação” do grau de ensino e das metas por classe e não a possibilidade de obter uma qualificação profissional mínima ou média, que serão sempre melhores que nenhuma! Valorizar essa escola, valorizar esses cursos, num momento em que, precisamente, era possível crescer na igualdade, ter-nos-ia poupado anos de atraso, de frustrações e de abandono escolar.
E, no entanto, ainda hoje, na minha classe, há discursos magoados contra esta evidência…!

Viramo-nos, finalmente, para percursos alternativos e para o ensino profissional, em escolas menos preparadas, porque durante anos desenvolveram ofertas formativas uniformes. Nas outras, do antigamente, apodreceram já os equipamentos técnicos inutilizados.
Em teoria, todos reconhecem que não podemos ter uma sociedade exclusivamente constituída por “doutores”. Mas quando toca a abraçar a ideia de uma formação diferente da rotinada em 30 anos de pós 25 de Abril… aqui d’el-rei…!

Há traumatismos que, decididamente, são problemas de crescimento e para os quais a minha paciência cívica se esgotou!

11.9.07

P.345: Desaparecidos sem combate


Este verão português arrefeceu, também, com o crescimento da bola de neve de um caso de polícia, estranho e estrangeiro, em território nacional. Atravessou a estação, em crescendos e estagnações, colocando-nos nos olhos do mundo, até alcançar as actuais dimensões, definitivamente alheias à nossa comedida medida nacional!

O português, geralmente zeloso dos filhos, pasmou de início pela negligência paternal evidente. Mas, generoso, preferiu calar as críticas e abrir o coração à ânsia dos pais, medida pela que seria a sua em caso assim. E lá foi a missas e vigílias ou sites de Internet, conforme os casos. Discutiu em família, no trabalho e nos cafés. Apaixonou-se pelo caso, sempre com aquele rostinho miúdo e bonito em mente, apesar de se falar cada vez menos da miúda e cada vez mais de uns pais em rotas mediáticas.

E ainda que o volte-face dos últimos dias possa ter deixado alguns com a sensação de terem sido traídos na sua credulidade, eu acho que estivemos bem. Antes crédulos que injustos. Antes generosos do que indiferentes.

O que foi virá a saber-se, certamente. Possa a polícia “imunizar-se” para trabalhar sem excessivas pressões. É que o caso atinge proporções de “confronto” nacional e os, até há pouco, vitimizados pais estão a armar-se até aos dentes…!

E quando tudo isto passar, na presença ou na memória, é sobretudo preciso não esquecer os olhares bonitos que se apagam, vítimas de negligentes ou dementes adultos!

5.9.07

P.344: Post mortem


Hoje, 10 anos após a morte de Madre Teresa de Calcutá, a tal mulher tão humilde que até para morrer “escolheu” a sombra da diva que absorveu o fragor das suas exéquias, a minha admiração pela pessoa despojada que ela foi aumentou.
Soube das suas dúvidas, da continuada interrogação sobre a existência de Deus – retiro, para já, da minha consideração o aproveitamento de próximos e de jornalistas nesta divulgação – e aquilo que era, confesso, o meu comedido apreço pela "devota" cresceu a olhos vistos, ao saber que a dádiva de tempo, de energia, de trabalho… de vida, se fez, afinal, mais pela generosidade e pela crença na possibilidade terrena de praticar o bem, do que pela fé na divina transcendência missionária… em termos “tradicionais”.
Não tenho como dizer isto sem ofender a sensibilidade dos crentes, que mo desculpem. A minha faz-me mais reverente em relação a alguém que age pela própria força, consciência, vontade… sem ditames superiores e capaz, com ou sem polémica, de tornar melhor a vida de outros…
E penso, inevitavelmente, a este propósito, na longa corte cardinalícia das santas Madres Igrejas, nas suas várias vertentes, nos ventres cheios, nas ociosas leituras, nas peles tratadas, nos linhos das vestes… E em tão pouca dádiva! É melhor parar por aqui!
Gostei que a velhinha, que não era Teresa, tenha tido ainda, a título póstumo, esta oferenda que a engrandece a meus olhos: a da sua dúvida, que a torna mais humana ainda! E mais digna.

4.9.07

P.343: Olha o Verão...!


Não chegava a mui natural e velhinha resistência ao retomar do labor, temos agora que aguentar a zelosa avaliação de psicólogos iluminados que nos informam e previnem sobre o trauma do trabalho abruptamente recomeçado…!

E quando ainda arquitectamos o malabarismo das contas, depois do rombo das férias, eis que os mesmos senhores nos aconselham a programar e marcar as seguintes, terapia de efeito benéfico garantido para a depressão que nos assola, agora que o verão parece ter enfim chegado… Livra!

2.9.07

P.342: In medias res


– Não basta ter sido condenado a enfrentar de cara feia a beleza desta cidade, ainda este cansaço enorme de franzir o sobrolho a milhares de turistas loucos que se esfalfam galgando 420 degraus para nos estragar o sossego secular de condenados…! Arre!!