26.9.11

Agora, é hora dos cisnes...

14.12.09

Página absurda

Se eu soubesse pintar, hoje o meu quadro teria tons de dor e nele haveria uma parada de vultos definidos de ausentes e uma longa fileira de esboços presentes, perfilados aquém linha, ténue risco que se desenha, mais ou menos longe, mas sempre demasiado perto de cada pessoa expectante: a passagem.

Se eu soubesse pintar, ver-se-ia na tela a falta que fazem os que claramente transpuseram a fronteira, a dor que carrego da cegueira de os não ver, o saber como eram junto a mim e a minha ignorância inquieta sobre o seu não-ser.

Se eu soubesse pintar, a minha tela representaria risos fugazes e envolveria o conjunto na densidade de uma lágrima, como quem encorpora a massa dura de uma vida na leveza de um paliativo de textura efémera.

Se eu soubesse, haveria redutos de branco em muitos pontos do meu quadro, forma de representar almas e memórias, de outros, de mim com eles, nos mundos de cá e de lá, por onde nos vamos, cada vez mais , repartindo e derramando.


Ao Toné, no dia da sua morte.

2.11.09

P.467: Caim, sem polémica


Bom, agora que já o li, posso expressar com mais certeza a minha opinião sobre a polémica: não entendo por que existiu. Creio que, se quem se apressou a insurgir-se contra o livro e contra o autor tivesse tido o cuidado de ler primeiro, os clamores não teriam sido tão altos nem os propósitos tão despropositados.

Não é uma das narrativas “maiores” de Saramago – na lista das minhas conhecidas e preferidas –, mas é um livro divertido, sobretudo nos primeiros capítulos, que revisita criticamente algumas das histórias terríveis do Antigo Testamento.

De que se pode acusar o autor? Não, por certo, do desconhecimento do texto bíblico, como alguém invocou. Concedamos que um católico fervoroso poderia apontar-lhe a leitura literal dessas histórias, despidas de toda a interpretação simbólica que lhe atribuem os religiosos. Pode, sim, mas apenas isso, no tom em que se discutem as diferentes opiniões. Porque a mesma liberdade que rege uma leitura, deve reger a outra; a mesma liberdade que pega nessas histórias para delas retirar exemplos de defeitos humanos e lições que pretendem corrigi-los, pode pegar nelas para as transformar literariamente em enredos em que o justiceiro Deus se torna um anti-herói da narrativa, um mau da fita.

10.10.09

P.466: O fenómeno dos felinos

Foi com surpresa e muito agrado que vi irromper, no quadro soturno das políticas e dos seus protagonistas, o humor inteligente e refrescante dos gatos, bem cheirosos nesse meio, por muito que se apelidem fedorentos.

Agrada-me esse princípio vicentino aplicado na denúncia da pobreza e da fealdade das ideias, dos slogans e das pessoas. Temos, afinal, esta riqueza: a de um país que gera, promove e aplaude a crítica política com graça, obrigando as figuras públicas à penosa prova da gargalhada, in praesentia, expondo-se de uma maneira nova e aprendendo a encarar o próprio ridículo, num exercício bem mais difícil que o dos combates entre iguais.

Tínhamos já provas dadas de criatividade na anedota e no cartoon. Soma-se, agora esta espécie de prova oral, proposta irrecusável em que se testam as habilidades menos treinadas dos visados, que mostram ou escondem, dependendo mais da sorte e da imaginação do que da vontade, os seus “lados lunares”… Uma sacudidela, também, às suas consciências. Bom e digno de aplauso!

18.6.09

P. 465: E depois do adeus...?

Quebro o silêncio para esta pergunta retórica, porque há vidas sobre as quais não nos questionamos e que consideramos deverem durar a eternidade efémera das nossas...




Adeus. E depois? Não sei...

14.1.09

P.464: Christiane F.

Christiane F. é uma "rapariga da minha idade" e voltou a Amesterdão e às drogas. A notícia é já de Agosto de 2008, mas foi ontem que me bateu nos olhos naqueles cruzamentos de informação, sem semáforos de aviso, em que o Google gosta de nos lançar à bolina. A procura de guias de utilização segura da net, a páginas tantas (não saberei dizer quantas já abrira), desenrolou no ecrã da minha memória o cartaz de um filme a cuja estreia assisti, em inícios dos anos 80, em Paris…

Lembro que na altura foi um safanão, uma mostra triste de uma realidade desconhecida, uma decrepitude e um pessimismo circunscritos no contexto bem colorido dos tenros anos, das férias na cidade-luz entre amigas e de um futuro de aparência promissora. Mas ficou arquivado e desde então, quantos os casos conhecidos, próximos, de amigos?

Christiane F. voltou a Amesterdão e foi regressado de lá que se perdeu P., irmão da minha amiga V. e, também, A., seu outro irmão, na perda menos definitiva de uma imbecilidade fruto da recuperação. E o mesmo com M., amigo dos outros dois e com N., colega da minha irmã, e C., amiga da família. E com P., vizinho das traseiras e com… Tantos!

Christiane F. existe, tem a minha idade e, também, um filho. Voltou a Amesterdão com a criança e às drogas que a excluem do seu mundo. Perdeu a sua guarda. Perdeu a esperança?

E a pergunta surge-me, repetida, incómoda: será que alguma vez, de facto, se recupera de uma dependência?!

(Cartaz: Wikipédia)

13.1.09

P.463: CR 7



A reacção é geralmente de recusa de atenção aos protagonismos futebolísticos e até de uma certa irritação pela contrariedade que representam em relação a princípios que procuro ensinar.
Mas ontem prolonguei a sobremesa frente à televisão e “concedi” alguns minutos de atenção ao português melhor futebolista do mundo em 2008, acabando por assistir a todo o programa que a RTP 1 tinha preparado com grande qualidade: capítulos breves subordinados a temas, curtas sequências de entrevistas variadas integrando a reportagem, uma visão abrangente tocando pontos essenciais da sua vida, personalidade, características profissionais, sem maçar.
E acabei por me “reconciliar” com o miúdo, porque por trás do ar aparentemente mimado e de um discurso geralmente pobre e atabalhoado nos modos, parece estar afinal alguém com a cabeça no lugar, uma grande vontade de aprender sempre, de ser melhor, sabendo que tal exige esforço. Sendo assim, ainda que o prémio de tudo isso seja um lucro desmedido que ultrapassa em muito o salário milionário, menos mal quanto a princípios.
Por último, como sou mais propensa a desejar felicidades do que a vaticinar a desgraça, fiz votos de boa viagem ao ilhéu, compatriota distinto que com a sua sigla pequenina navega num oceano imenso de perdições…
(Fotografia RTP)

31.12.08

P.462: Quantos metros com barreiras?

Hoje acaba mais um, o civil. Lá mais à frente terminará o lectivo e, andando um pouco mais, acrescenta-se um de vida. Marcos que se nos colocam na linha do tempo e que acentuam a sensação de voragem… Somam-se as passagens e subtrai-se ao optimismo natural mais um ano de ilusões perdidas sobre o mundo.

O brinde é um paliativo, sobretudo se borbulha num bom champanhe que nos faz pairar a uma razoável distância das coisas. À nossa, que bem precisamos!


(fotografia original de Marta Lima)

1.12.08

P.461: A neve caía... mas não bateu de leve a avisar.

(Fotografia: Público online)


O Homem põe e a Natureza dispõe.
Sete horas e meia de bloqueio numa serra nevada: almoço de bolachas Maria, cortesia de uma parceira de viagem e de infortúnio; necessidades básicas satisfeitas com o recato (pouco) possível; solidariedades de fora, através de telefonemas – a rede não congelou, valha-nos isso –, mas sobretudo “de dentro”, entre aqueles que contavam viajar anonimamente juntos durante hora e meia e se viram prisioneiros do mesmo cárcere no melhor de um dia de sábado.
Este país nunca se conformou com o Inverno puro e duro que às vezes também lhe bate à porta. E, por isso, nunca se preparou para ele. Um nevãozito daqueles de fazer rir qualquer povo de outras latitudes e paramos nós por cá, nas serras e cercanias. Falta de vigilância, de aviso, de decisões de desvio de trânsito atempadas. Falta de meios: limpa-neves e sal são ainda luxos num Portugal nem sempre tão europeu quanto se arroga.
E é assim que se testam os nervos, que se reaprende a humildade de “bicho homem tão pequeno” no cenário dantesco dos elementos adversos conjugados.
Perdeu-se o dia e, por falta de fé, tão retemperadora nestes casos, não podemos sequer pretender que nos sirva de remissão dos pecados…

22.10.08

P.460: Da saciedade e da negligência

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A comida é boa e a ementa razoavelmente variada. No entanto, naquele dia em que prolongámos o jantar com uma conversa demorada, o pessoal da casa, uma família que se dedica com sucesso à cozinha tradicional numa antiga tasca remodelada, mandou vir pizza, sentou-se na mesa do fundo e deliciou-se com o “pitéu” da concorrência…! Razões? Está bom de ver: a nossa comida também cansa… estamos um pouco saturados. Ganhou a franqueza à publicidade.
Motivada, talvez, pela visão do prato italiano em vez do esperado bacalhau assado, recordei o desespero dos tenagers da família numa semana de férias passada em Itália: Que é feito da boa lasagna, dos cannelloni suculentos, do delicioso spaghetti alla bolognese…?! Nesse particular a expectativa italiana gorou-se-lhes! Tão apreciada no mundo e tão internacional e ali, no país onde nasceu, pouca oferta e sofrível qualidade…!

15.10.08

P.459: [ãtoniu loβu ãtune§]


Lembrei-me várias vezes dele o fim-de-semana passado, de crónicas de um seu livro lido há muitos anos. Falava de gente apanhada nos pequenos, repugnantes, ridículos detalhes das suas figuras e situações, captados por um olhar inclemente que, à vista desarmada, não parece ser o do autor, mas ali – e tantas outras vezes – se revela assim. Era o montículo de caspa sobre o ombro, o pedaço de comida entalado nos dentes, a melena besunçosa roçando-nos o rosto no beijo de cumprimento, o cheiro sovacal que nos apanha na passagem, o ponto negro pontuando o queixo luzente, pêlos abundantes ou, pelo contrário, rarefeitos, jovialidades parvas, efusividades desmedidas, apertos de mão amolecidos… Ou se não era isto, eram coisas de idêntico calibre, humanas misérias, enfim. E, na altura, pensei na tristeza e solidão de quem assim perscrutava um mundo circundante de companhia tão lamentavelmente feio!
Mas talvez seja, afinal, mais uma questão da responsabilidade do tempo, esta do atentar sem remédio nos pequenos, repugnantes, ridículos detalhes das figuras e situações. Vem-me acontecendo agora. No sábado, dia de “evento” cultural, com alimento para o cérebro e para o estômago, sofri quase até ao vómito essa visão radiográfica da companhia circundante, entre petulâncias e alarvidades, fugindo quanto pude tanto a perdigotos de comensais como a snobismos de intelecto… E sou eu agora que me lamento por assim escrutinar um universo triste de pequenas misérias humanas.
Lembrei-me de António Lobo Antunes.

11.10.08

P.458: Diálogo simplificado das emigrantes falhadas



– …
– Pois é… Olha, devíamos emigrar!
– Já pensei nisso, sabes?...
– Sim? Também tenho pensado. Mas pra onde? África?...
– É um continente perdido. América?
– Há duas, os States e a outra… e nenhuma agrada. Violência, pobreza, corrupção no seu pior…
– Da Ásia, também, o quê…? Pobreza, conflitos, catástrofes naturais… Escapa o Japão, mas ui, que abismo cultural!...
– E os países da Europa, ou sofrem dos nossos males ou estão em vias disso!
– A Suíça não, por exemplo.
– E queres morrer de tédio?!
– Um nórdico?
– Pra sermos emigrantes tristes num país sem Sol?!...
– Humm…
– Bom… Cinema sem pipocas na 2ªf?

10.10.08

P.457: Sistema simplificado de avaliação dos professores

Uma ilustração fiel!
(Recebido por email)

7.10.08

P.456: Vindimas no Douro





A Natureza gosta de nos deixar no embaraço das palavras frouxas, que não dizem da beleza que oferece nem da emoção sentida na contemplação dos seus cheiros, temperatura e cores...