28.11.07

P.372: Verdade ou consequência




«Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas».

Memorial do Convento, José Saramago

Tremenda verdade que nos lembra que o tempo da pergunta é, tão só, o nosso tempo de querer saber.
Mas há ainda uma outra espera: a de que a pergunta e a resposta coincidam no tempo e no lugar…

26.11.07

P.371: Pequenos nadas


Foi a compra do dia. Mirei-o na montra da loja ainda fechada e não o esqueci. À hora fui atendida por alguém irmanado no gosto, próximo na idade, a avaliar pelo sorriso quando indiquei o pretendido.
Não foi preciso embrulhar, era mesmo para mim e entrou logo “ao serviço”. E entre o pagamento e o troco, os vagares de quem evoca personagens e redesenha os sorrisos do humor recordado… Marretices geracionais... :-)

23.11.07

P.370: Do barulho e do silêncio

Uma das piores torturas que me poderiam inflingir seria a de me sujeitarem a prolongadas exposições ao barulho. Perturba-me. Agita-me. Ensurdeço. Por mais de uma vez tive já que fugir de locais onde o grande ruído e a minha forte consciência dele se reverteram em incómodo insuportável.
Vivo procurando a tranquilidade de um ambiente limpo de sons ou imbuído de harmonia, não só essa tranquilidade, mas também ela...
Fujo dos cafés onde ecoam louças por sobre a ladainha da rádio e a sobreposta voz dos clientes. Desligo a T.V. no local de trabalho, sempre que os utentes do espaço de convívio, ignorando o entretem se esquecem também do seu débito sonoro. Evito restaurantes que servem, sem vir na ementa nem ser pedido, o espectáculo de luz e som televisivo. Faço episódicas visitas aos centros comerciais, onde até no suposto recato do w.c. temos que gramar o sucesso do momento aos gritos.
O Natal é, deste ponto de vista, uma época terrível! Nem nas ruas nos livramos da melopeia repetida e imposta, em nome do "prazer" de clientes e transeuntes.
Que parte substancial do meu trabalho se processe ao ritmo estridente da campainha e que as crianças, consabidamente, não se queiram caladas, são necessidades que se sobrepõem ao desagrado.
No resto, faça-se o precioso e raro silêncio que descansa a mente e deixa o pensamento vogar por coisas bonitas...

(Fotografia de Carlos Sampaio)

17.11.07

P.369: Evocação de um estado de espírito


Se se adensam, são terríveis. Se as penetram os aviões, sacodem-nos incomodadas…

Mas conseguem ser por vezes tão bonitas, que justificam largamente que um certo alheamento doce, agradável, enlevado, as vá buscar para se exprimir.
Andar nas nuvens. Expressão do provável efémero, do talvez ilusório, mas do seguramente belo.

15.11.07

P.368: CORRUPÇÃO


A propósito do recente filme português com este nome, fui parar a este “última hora” de há uma ano:

PGR: escutas telefónicas são essenciais para combater a corrupção. 25.10.06 Lusa
O procurador-geral da República considera "essencial" o uso de técnicas especiais de investigação no combate à corrupção, tais como as escutas telefónicas.
O procurador-geral português considerou que o recurso às técnicas especiais de investigação, como as escutas telefónicas, é "essencial, no âmbito do combate à corrupção, de modo a conferir acrescida eficácia à investigação de factos que, pela sua natureza, são geralmente de difícil detecção e comprovação".
"Apesar de ainda não ter procedido à ratificação formal da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção", afirmou Pinto Monteiro, "Portugal dispõe já de vários mecanismos legais susceptíveis de enquadrar o recurso a estas técnicas de investigação para efeitos de crime de corrupção".

Bom, e a quantas andamos, afinal? É que saber da corrupção, investigá-la da forma possível e não poder servir-se desse resultado como meio de prova, sempre me pareceu uma sarcástica concessão aos bandidos, espécie de tragicomédia de uma sociedade que, agarrada aos princípios, deixa gargalhar impunemente aqueles que precisamente os ignoram!
Mas os tipos continuam por aí...! Há assuntos relativamente aos quais ao enorme ruído se segue um silêncio gritante.

11.11.07

P.367: Filosofia em mangas de camisa

Há uns tempos, convidei um amigo músico, pessoa muito entendida, com sólida formação, mas de uma grande simplicidade, para ir falar com miúdos à escola onde trabalho. E ouvi-o na altura dizer esta coisa que me ficou, a propósito da música clássica e do seu público restrito: que os músicos eruditos deviam apresentar-se mais em camisa, arregaçar as mangas, sentar-se descontraidamente e falar com quem se dispõe a ouvi-los… Veio-me logo à mente aquele gesto, mil vezes repetido, do levantar a cauda do fraque para sentar ao piano, espécie de sinal de partida para um estado absorto, em comunhão, apenas, com a música.
E a que vem tudo isto agora? Como muitas vezes acontece, vem por associação de ideias. Há uns dias vi esta revista num escaparate, folheei-a e pensei: ora aqui está algo que me pode interessar. Filosofia em mangas de camisa, apropriada a uma leitora leiga como eu, mas com qualidade para não se tornar uma perda de tempo, que ele não abunda…!
A intenção era boa… Mas já lá vai uma semana e ainda só lhe ouvi uns poucos acordes…! É que há camisas que são realmente muito... clássicas, não é?! :-)

8.11.07

P.366: A rainha nua

Acontece que não seria sequer necessário que fossem 24, bastaria uma dúzia, com dois ou três bem escolhidos.
Acontece que, mesmo em turmas ditas “normais”, metade do tempo é gasto a tentar resolver problemas de atitude.
Acontece que a família perdeu autoridade e a escola pública se colocou logo na fila a descartar argumentos de força e mecanismos de actuação.
Acontece que há muito que a rainha vai nua, não é sequer bonita e ninguém se atreve a denunciar bem alto a deplorável realidade… E não estou a falar da ministra, naturalmente… :-)
(A imagem circula na rede...)

7.11.07

P.365: Nº161, 5º andar



Na rua principal que atravessa a minha mesa de cabeceira, há actualmente uma morada com o nº 161 em cujo 5º andar habitam estes seres fantásticos: Não voltaria a revê-la. Nunca mais. Não se deve regressar aos lugares onde a infância se mitifica.

Trata-se de um condomínio aberto, denominado Houve Um Tempo, Longe e construído por Luísa Dacosta. Bela arquitectura, materiais sólidos, integrados, harmoniosos.

O mais são ruas curtas, pracetas de histórias inconfessáveis ou avenidas em que os 5ºs andares dos nºs 161 calha serem lugares tão desinteressantes, habitados por gente tão incompleta, que não vale a pena virem figurar aqui…!


(E para quem não esteja a perceber grande coisa deste desarrazoado, diga-se que isto é a resposta que se-me ofereceu dar ao desafio lançado a partir do blog Postscriptum)

Disse.

5.11.07

P.364: Acerca da Argélia


A Argélia não é um país procurado para visitas de lazer nem quis ainda, nem poderia, entrar nas rotas turísticas de que fazem parte os seus vizinhos Marrocos e Tunísia.

Passeando por Argel e mais dois ou três locais próximos onde é possível ir com relativa segurança, entende-se bem porquê. Não é pela geografia, que ajuda imenso oferecendo paisagens belíssimas. Não é pela herança colonial: os franceses deixaram na arquitectura e nos equipamentos o que com mais qualidade e harmonia de formas pode ainda ver-se.

É mesmo o passado recente, o presente descuidado que, sem exagero, não oferecem um único local que se possa “apreciar no presente do indicativo”, tempo e modo de actualidade e de verdade.

Tudo é pretérito, perfeito e imperfeito, e condicional: Ah, sim, isto já foi bonito! Se estivesse limpo, se estivesse acabado... seria bonito! Na dúvida arrisca-se, por vezes, um futuro perfeito: terá sido um parque desportivo ou de diversões…

Há, com certeza, razões históricas, civilizacionais, que justificam o abandono, a degradação, a sujidade, o inacabamento, a fealdade... que grassa por todo o lado. Lamentáveis razões.

Alger la Blanche arrisca-se a perder a cor sob camadas de negligência e contiguidades apodrecidas. Parece que Allah também dá nozes a quem não tem dentes...