30.4.07

P.242: Viagens no tempo: Éfeso

As evocações do encanto das ruínas romanas no blogue Glosa Crua, fizeram-me lembrar a visita que fiz a um dos locais mais belos dessas ruínas, a cidade de Éfeso, e levaram-me a procurar o respectivo álbum de fotografias. Infelizmente, essa viagem aconteceu antes da explosão da máquina digital e antes do meu entusiasmo fotográfico. Por isso, o que encontrei como testemunho dessa passagem não corresponde à grandeza do que me ficou cá dentro. Razões suficientes para talvez lá voltar. Aliás, muito do que vi na Turquia me agradou de tal maneira que um regresso encontrará sempre justificação.

O que recordo é uma cidade ainda perfeitamente delineada e equipada com serviços e comodidades que os exigentes cidadãos não dispensavam; com avenidas comerciais largas, bairros residenciais de casas lindamente atapetadas de mosaicos; na mesma praça o mercado e a biblioteca, ambos de belíssimas fachadas; termas e latrinas públicas, com os fornos para o aquecimento das águas e as condutas; um teatro colossal, com acústica perfeita; muitos templos… um deles, o de Artemis, um pouco desviado do núcleo urbano e já muito destruído, foi uma das sete maravilhas do mundo antigo; também, a curiosidade de um anúncio traçado numa laje da rua de entrada na cidade, vindo do porto, indicando a localização de um bordel e o preço a pagar pelos serviços – primórdios da publicidade.


Éfeso cristalizou no tempo e mantém-se em muito razoável estado de conservação. Por isso, para quem sente a emoção das pedras que falam da história de outras vidas, percorrer os seus trilhos é uma experiência forte, que permanece.

28.4.07

P.241: Leituras

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É o próprio Gabriel García Márquez que remete para o livro de Yasunari Kawabata na epígrafe de abertura deste seu romance. Eu tenho o mau hábito de saltar os paratextos no início da leitura e, por isso, só vi a transcrição depois de eu própria ter feito a associação entre as duas obras.
Os dois escritores retratam a situação inquietante e estranha de uma sexualidade masculina em idade avançada, que procura satisfação numa espécie de monólogo, motivado por uma presença feminina jovem e adormecida.
Em Casa das Belas Adormecidas é em torno dessas experiências, das emoções e reflexões que elas suscitam, que se desenvolve toda a trama, obsessivamente, deixando no leitor o gosto amargo de ter vislumbrado tamanha solidão.
Mas em Memória das Minhas Putas Tristes as experiências nocturnas com Delgadina representam, inesperadamente, o eclodir de um amor anacrónico do protagonista, depois de uma vida de só sexualidade, repetindo de certa forma o optimismo de Amor nos Tempos de Cólera.
São livros sobre grandezas e misérias do homem e que sublevam muitas interrogações subtis sobre os caminhos, tantas vezes sinuosos, do prazer e do amor.

27.4.07

P.240: Nótula sobre a palavra grama

Luta desigual entre a regra que alguns sabem, poucos defendem e a mole de utilizadores que lhe muda o género. Falo da palavra grama de origem grega, género masculino, unidade das medidas de peso no sistema métrico ou decimal.
Que as meninas da charcutaria me perguntem repetidamente quantas gramas de fiambre pretendo, apesar dos meus enfáticos esforços em realçar o masculino dos trezentos gramas pedidos, enfim… Mas que um jovem médico incorra no mesmo erro, já custa a engolir. Talvez este venha a ser mais um caso de transformação da língua pelos falantes, impondo à excepção a regra.
Grama, se não os podes vencer, faz-te feminina, junta-te a elas…!

25.4.07

P.239: 25 de Abril

Saí. E à falta de cravos na lapela, trouxe os olhos cheios de papoilas bravas.

24.4.07

P.238: Porto

Não é que a máquina seja pouco mais que mínima nas suas potencialidades técnicas. Não é que a fotógrafa se atrapalhe com as regulações manuais. Não é que falte o necessário equilíbrio e a firmeza de um tripé… É que perante tamanha beleza, o dedo que prime e o mecanismo que responde vacilam na mesma emocionada contemplação!
:-))

(O lado de fora do interior da p. 234 )

P.237: A Paixão Segundo S. Martinho de Anta

Quem poderia adivinhar que Paulo Castro, ainda há uns anos – que parecem sempre poucos – um rapazinho cabisbaixo, que percorria as nossas ruas cosido com as paredes e muros, se tornara num cineasta “reconhecido”?! Mas, sobretudo, quem poderia imaginar que hoje cidadão do mundo, vivendo na Austrália, passado por Berlim – segundo foi noticiado no anúncio da estreia do filme –, guardaria uma tão grande amargura, uma mágoa funda, quem sabe se mesmo um ódio visceral, ou qualquer outro conjunto de nome soturno e adjectivo intensificador, contra estas terras de origem, as suas gentes, o escritor Miguel Torga?!! Difícil saber, difícil descortinar porquê. Foi, no entanto, a impressão forte que me ficou da sua aparente homenagem ao autor de Bichos, com o pseudofilme «A Paixão Segundo São Martinho de Anta». Retire-se-lhe uma dúzia de fotografias bonitas, expostas como em parede de galeria, e dois ou três depoimentos genuínos e esqueça-se o resto!
Se tiver oportunidade de ver, não veja! Os transmontanos e amigos de Torga agradecem.
(Ilustração: Teatro de Vila Real)

22.4.07

P.236: Facto e números

Fonte: Eurobarómetro, 2004.
Legenda: BE - Bélgica; CZ - República Checa; DK - Dinamarca; DE - Alemanha; EE - Estónia; EL - Grécia; ES - Espanha; FR - França; IE - Irlanda; IT - Itália; CY - Chipre; LV - Letónia; LT - Lituânia; LU - Luxemburgo; HU - Hungria; MT - Malta; NL - Países Baixos; AT - Áustria; PL - Polónia; PT - Portugal; SI - Eslovénia; SK - Eslováquia; FI - Finlândia; SE - Suécia; UK - Reino Unido.
Recentemente, tive a oportunidade de assistir a uma conferência e participar num debate sobre o futuro da Europa e, entre a documentação distribuída, contava-se um livro com factos e números essenciais sobre a Europa e os europeus. Aí pude confirmar alguns dados conhecidos, perceber melhor o destaque dado, no plano nacional, a alguns assuntos, integrar medidas governamentais, prioridades, tudo no domínio do esperado, o que não quer dizer que não sejam dados dignos de reflexão e/ou admiração e/ou preocupação.
Mas o que verdadeiramente me surpreendeu pela negativa em relação a nós, quer por ser o único sector em que somos os piores da U.E., quer por não notar em relação a isto nenhuma preocupação nem a nível da imprensa, divulgando, nem a nível governamental, procurando medidas de correcção e incentivos à mudança, foi a prática desportiva dos cidadãos! Como se pode constatar, 66% dos portugueses inquiridos afirmaram nunca praticar qualquer desporto! É enorme! Nunca pensei que fossem tantos e parece-me um sintoma muito claro de um certo subdesenvolvimento, sobretudo porque é assunto que parece não suscitar interesse.
Gasta-se rios de dinheiro, tempo, tinta… com um futebol alienante, com o qual só aproveitam uns poucos e do desporto, o verdadeiro, o da prática saudável dos cidadãos deste país, pouco se fala e quase nada se apoia!

21.4.07

P.235: Passagem

Palavras bonitas sobre um amor bonito sem palavras. E nem por ser trocadilho é menos verdade. O amor é muitas outras coisas para além da melhor e mais bela definição, a camoniana. E entre elas também este esconjurar dos efeitos da passagem do tempo.


«Baltasar não tem espelhos, a não ser estes nossos olhos que o estão vendo a descer o caminho lamacento para a vila, e eles são que lhe dizem, Tens a barba cheia de brancas, Baltasar, tens a testa carregada de rugas, Baltasar, tens encorreado o pescoço, Baltasar, já te descaem os ombros, Baltasar, nem pareces o mesmo homem, Baltasar, mas isto é certamente defeito dos olhos que usamos, porque aí vem justamente uma mulher, e onde nós víamos um homem velho, vê ela um homem novo, o soldado a quem perguntou um dia, Que nome é o seu, ou nem sequer a esse vê, apenas a este homem que desce, sujo, canoso e maneta, Sete-Sóis de alcunha, se a merece tanta canseira, mas é um constante sol para esta mulher não por sempre brilhar, mas por existir tanto, escondido de nuvens, tapado de eclipses, mas vivo, Santo Deus, e abre-lhe braços, quem, abre-os ele a ela, abre-os ela a ele, ambos, são o escândalo da vila de Mafra, agarrarem-se assim um ao outro na praça pública, e com idade de sobra, talvez seja porque nunca tiveram filhos, talvez porque se vejam mais novos do que são, pobres cegos, ou porventura serão estes os únicos seres humanos que como são se vêem, é esse o modo mais difícil de ver, agora que eles estão juntos até os nossos olhos foram capazes de perceber que se tornaram belos».

Memorial do Convento, José Saramago

20.4.07

P.234: Interior

Diz a M., anfitriã do Fotodicionário, no seu lembrete sobre a palavra a concurso esta semana: Vá lá, mostrem-nos os vossos interiores...

Enviei este... e não me importaria que fosse meu...! :-)

Caves Taylors, em Vila Nova de Gaia.

19.4.07

P.233: Nomeações

Quase em simultâneo, a Irene e a M. nomearam este blogue como

o que agradeço.

Entre os cinco que me cabe agora escolher contar-se-iam, sem dúvida, esses dois que, por já terem sido nomeados, deixo de fora.
Os que elejo são blogues por onde passo, com mais ou menos frequência, conhecidos há muito ou recentemente descobertos, e que, de diferentes maneiras, fazem pensar.
(Respondo à cadeia sem ter tido oportunidade de saber a origem deste selo e nomeação...)

P.232: Dia negro

Este nobre povo português, de tão conhecidos e badalados brandos costumes, protagonizou nesta data, há 501 anos, um vergonhoso massacre. Cerca de 4.000 judeus pereceram às mãos de lisboetas, perigosa multidão raivosa, turba descontrolada! Três dias de gente cega nas ruas, de perseguições, terror, violações, mortes sangrentas, brutais, fogueiras punitivas… barbárie!
Causas profundas, pretextos, infelizes coincidências, consequências, responsabilidades, passado e futuro em análise neste livrinho que assinala a data. Nem só de glórias viveu o Portugal de quinhentos…

17.4.07

P.231: Problemas laborais

Veio-me à ideia por causa da palermice daquele presente milionário de certo futebolista à plástica mulher, que chegou a ser notícia no jornal da noite... rivalizando, talvez, com o importante caso do namoro acabado do príncipe compatriota.
Uma coisa leva à outra e lembrei-me desta blague em que, ainda que reivindicando, é o verdadeiro que fala, sem mais adereços preciosos do que aqueles com que terá nascido. Assim, só em palavras e no francês em que o recebi, cá vai.
LE SALAIRE DU PÉNIS
LE PÉNIS...
Moi, le Pénis, déclare demander une augmentation de salaire pour les raisons suivantes:
Je travaille physiquement.
Je travaille à de grandes profondeurs.
Je plonge tête première dans tout ce que je fais.
Je n’ai pas congé les fins de semaine ni les jours fériés.
Je travaille dans un environnement humide.
Je travaille dans un endroit sombre et avec une mauvaise ventilation.
Je travaille dans des températures extrêmes.
Mon travail m’expose à des maladies contagieuses.

Sincèrement,
Le Pénis

L’ADMINISTRATION...
Après avoir étudié votre demande et avoir considéré les arguments que vous avez soulevés, l’administration rejette votre requête pour les raisons suivantes:
Vous ne travaillez pas 8 heures d’affiler.
Vous vous endormez après de courtes périodes de travail.
Vous ne suivez pas toujours les instructions données par l’administration.
Vous ne demeurez pas toujours dans la zone de travail assigné et êtes souvent surpris à visiter d’autres endroits.
Vous ne prenez pas d’initiative.
Vous devez être sous pression et stimulé afin de commencer à travailler.
Vous laissez le lieu de travail sale à la fin de votre quart de travail.
Vous n’observez pas toujours les règles de sécurité, tel que porter l’équipement protecteur approprié.
Vous allez prendre votre retraite bien avant d’avoir 65 ans.
Vous êtes incapable de faire deux quarts de travail de suite.
Vous quittez votre lieu de travail avant d’avoir terminé la tâche assignée. Et si ce n’était pas suffisant, vous êtes constamment vu rentrer et sortir du lieu de travail avec deux sacs à l’aspect douteux.
Sincèrement,
L’Administration

16.4.07

P.230: Livros escolares

Começa por esta altura, para os profissionais do meu ofício, e dura aí uns dois meses bem medidos. É uma saga , esta dos livros escolares!
Cabe aos professores escolherem os manuais que, de três em três anos, geralmente em dois níveis de ensino predeterminados, serão adoptados. Para escolher é necessário conhecer, naturalmente. E não será por falta de fornecimento de livros que os seleccionadores ficarão na ignorância. Bem pelo contrário.
A oferta de livros pelas editoras tem duas vertentes: a dos livros directamente enviados aos professores, para casa ou para o trabalho; e a das apresentações dos projectos para cada ano – falar meramente de livro não corresponde aos actuais parâmetros de exigência que as editoras escolares se impuseram, acompanhados que são hoje, quase sempre, de livros complementares de exercícios, de planificações, de CD áudio, de DVD, de transparências, etc.
O envio directo traz o problema da arrumação, exigindo, para quem tem pouco espaço, alguma revisão e dolorosa reciclagem. Custa-me pôr livros no papelão, ainda que sejam manuais escolares já um pouco desactualizados. Mas, que fazer? O mercado já esteve mais activo, mas ainda assim, só à minha conta foram uns quinze manuais, no ano passado, fora os que ficaram na escola. E não há estante que cresça nessa medida!
As apresentações dão direito a muito mais, são objecto de insistentes convites e levantam-me outro tipo de questões. É bom ouvir os autores falarem dos seus livros-projectos, sugerirem estratégias, exemplificarem explorações possíveis; fica-se, naturalmente, a conhecer muito melhor as potencialidades do material didáctico. Mas as sessões que as grandes editoras organizam para o efeito por esse país fora, em espaços luxuosos, juntando centenas de professores a quem oferecem todo esse material na respectiva pasta promocional e ainda, desde há uns anos para cá, um cocktail ou um jantar convívio, parece-me esbanjamento. Dir-me-ão que os ganhos o justificam. Mas eu ponho-me do lado dos que pagam esses ganhos e logo me parece que dois ou três exemplares por escola e um cafezinho nas apresentações seria o suficiente, se daí resultasse um preço um pouco menos pesado para quem tem de comprar.

15.4.07

P.229: Achado


O Careto calça sapatilhas Nike! Terá tido patrocínio...?!

P.228: The Namesake

O Bom Nome é uma narrativa cinematográfica com os ingredientes de um bom filme. Tem história, simples mas que vale a pena contar. Personagens densas, consistentes. Diferentes perspectivas narrativas, que se sucedem sem artifícios. Visão desassombrada sobre os espaços sociais indiano e norte americano em que as personagens se movimentam, mas também laivos de fantástico e de cómico. O encontro – choque, adaptação ou harmonização – de culturas, enriquecedor da intriga.
O filme é indiano. A sala estava vazia. Imerecidamente.
(imagem: Sapo-Lusomundo)

13.4.07

P.227: A palavra dita

Geralmente é à palavra escrita que cabe o maior peso, pela sua permanência. No entanto, situações há em que a oralidade pode ganhar grande força. Foi o caso da defesa de José Sócrates, esta semana. Assim me pareceu, quando assisti e assim o vi/ouvi afirmado por analistas, obrigados a reconhecer que, contra todas as expectativas, o Primeiro Ministro passou no exame (e desta vez, sem classificação publicada ao domingo!).
Não tirou nenhum coelho da cartola, não formulou nenhuma explicação complicada. Não explicou tudo, mas não recusou nenhuma resposta. Não ficou sequer arredada a hipótese, provável, de recurso a uma Universidade mais “facilitadora” para a conclusão da licenciatura, mas isso é talvez algo que a maioria dos portugueses é capaz de entender e perdoar. E, para os mais cépticos e impenitentes, permanecerá ainda a probabilidade de um favor político…
É, por isso, surpreendente que, apesar de tudo, apesar da impopularidade e sem ser propriamente um grande orador, nos 30-40 minutos concedidos ao assunto Sócrates tenha aberto amplas e decisivas clareiras no emaranhado de casos e acusações da teia tecida ao longo das últimas semanas!
A mim parece-me que o caso poucas mais pernas terá para andar. Resta saber se permanecerá no governante, em consequência disto, alguma humildade de que não tem dado prova ou se, pelo contrário, ferido no seu orgulho se fará ainda mais arrogante do que a atitude costumada…

9.4.07

P.226: Às armas...!

D. Afonso Henriques, e todos os seus contemporâneos e futuros que lhe seguiram o exemplo, devem andar às voltas nos túmulos! Não tendo podido vencer-nos no passado, nuestros hermanos – e convém lembrar que os irmãos não se escolhem – invadem-nos hoje de todas as maneiras possíveis, ao sabor do seu espírito empreendedor e do nosso laxismo. Não chegava mandarem-nos, por exemplo, os seus tomates formatados, lustrosos e sem sabor, agora são também eles que fornecem o esperma com que se andam fecundando artificialmente as inférteis portuguesas...!!! Está mal!
(Fonte: Sic, Jornal da Noite.)

P.225: Procissão

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.
Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

Poema de António Lopes Ribeiro, imortalizado por João Villaret.

6.4.07

P.224: Tentações



A semana era de limpeza geral da casa e de intensa actividade na cozinha. Era essa a azáfama de que eu mais gostava. Os meus avós eram padrinhos de meio povo e havia que fazer folares e pães de ló para essa gente toda. Chamavam-se reforços para bater os ovos com açúcar e, com um bocado de sorte, lá me deixavam rapar os alguidares… Depois, estendiam-se pelas mesas, cobertos com guardanapos brancos, ou com uma toalha longa, perfumando os ares da casa, enquanto os afilhados não vinham à sa’bença, deus t’ abençoe, meu filho.
Por cisma da minha avó, o que ficasse mais bonito, fofo e de aspecto apetitoso, havia de guardar-se para o sr. abade e seus acólitos, quando o Compasso passasse e todos fossem servidos do tradicional cálice de vinho fino.
Das amêndoas de açúcar nunca gostei muito e as de chocolate eram raras na altura.
Tudo o resto – visita Pascal, comunhões e crismas, missa, procissão – era supérfluo. A Páscoa valia pela lambarice. Agora, nem isso!

5.4.07

P.223: Centro


Contra o futebol animalesco...

4.4.07

P.222: Manoel de Oliveira

O realizador Manoel de Oliveira anunciou hoje que o seu próximo filme terá por título "Singularidades de uma rapariga loira" e se baseará no conto homónimo de Eça de Queirós.(…)
"Colombo será terminado em Nova Iorque e estreia em Junho em Washington", indicou o realizador.(…)

Relativamente ao próximo projecto, Manoel de Oliveira, que se declarou "cheio de ideias", não quis adiantar mais pormenores, nomeadamente quem será o produtor e quem integrará o elenco.

30.03.2007 - 15h28 Lusa


Abro excepção para falar de uma pessoa que conheço pouco. A notícia deixou-me a pensar que, pelo menos no que respeita a energia, dinamismo, projectos, realizações, não se poderá negar a excepcionalidade de Manoel de Oliveira! Estreia um novo filme em Junho, em Washington, e já tem outro preparado a começar! Tem 98 anos! É admirável!

No mais é difícil manifestar-me, a não ser para testemunhar uma certa estranheza que sinto em relação a este reconhecido cineasta. Quatro ou cinco filmes e duas ou três entrevistas não são suficientes para “etiquetar” uma obra e o seu autor, mas chegaram para criar em mim a sensação estranha de a sua mensagem, por demasiado complexa ou por exageradamente simples, não se me tornar legível. E não falo só dos filmes.

Nesses com certeza que um longo minuto de abertura com um maestro regendo de costas para a câmara, o qual depois, aparentemente não tem ligação com nada mais no filme (Porto da Minha Infância), deve ter algum significado… Um tecto manchado de humidade, intensa e longamente focado, cena sublinhada por um crescendo musical indiciador de mistério (O Convento) deve querer dizer alguma coisa…
E destas e doutras incompreensões somadas se tem feito a minha experiência de observação de obras do mais velho realizador do mundo. São questões de tempo – duração e ritmo –, são questões de coesão, de lógica ou de absurdo em que os seus objectivos e a minha compreensão não se encontram.

Enfim, não rejeito, claro. E fiquei até com curiosidade e vontade de ver estas novas produções. Mas só em dia de graaaande paciência intelectual… :-)
(imagem googleada)

2.4.07

P.221: A mentira...

para além de falsidade, engano, embuste, impostura, intrujice, logro, patranha, léria ou peta pode ainda ser… simples brincadeira do dia 1 de Abril…! :-)


A fotografia original é esta e foi tirada no Museu de Mérida. As vasilhas são de barro, romanas, mas não sei se se destinavam ao que me veio à ideia ao vê-las, depositadas naqueles nichos brancos… Ainda tenho que tirar isso a limpo.
Agora, amigos de amigos com gostos tão tétricos, espero não vir a conhecer!
Sem peta e falando em conhecer, descobri em pesquisas sobre as tradições do 1º de Abril um blogue engraçado, de espanhóis estudantes de Português e, a avaliar pela amostra, as notas não devem ser nada más! - Português dos pequenitos.

1.4.07

P.220: Insólito

Em casa de amigos de amigos, que me autorizaram a fotografia, as cinzas, restos mortais dos antepassados, guardam-se na sala, em vasilhas de barro moldadas pela senhora dos domínios!... E há já espaços reservados para os viventes membros da família, como me explicaram, e até duas caixas vazias, prontas para uma emergência...!
No mínimo, insólito. Mas o efeito decorativo até nem é mau de todo...