P.414: Dois goles a duzentos paus!
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A páginas tantas...
Vivo por vezes um pouco a fantasia de A Rosa Púrpura do Cairo: esbato limites, incorporo a ficção na realidade. Estou entre esses miúdos e vamos brincar aos índios e cowboys, sendo que, certo e sabido, eu serei índia, pela "pinta" e pelo gosto, remoto, das minorias e das causas perdidas…
Que bem me sabe!
Uma das minhas refeições do fim de semana de Páscoa será, provavelmente, de casulas e botelo ou, dito por outras palavras, vagens secas de feijão e chouriço de ossos. A ementa é mais adequada ao Carnaval, mas só agora me calhou em sorte dar um salto a Mogadouro e aterrar numa animada e bem sortida feira de artesanato e produtos da terra. Nunca provei, mas asseguram-me os conhecedores que é um petisco! Não fora outras preocupações e viria de lá carregadinha das coisas apetitosas que trouxe na memória, mormente um pão grande e cheiroso, vários queijos, grande variedade de biscoitos de aspecto e de nomes sugestivos…
“Dar um salto” a Mogadouro é, ainda, uma expressão muito optimista, mesmo para quem parte de cerca de 136 km de distância. Duas horas e meia bem medidas e a paciência de meio percurso em estrada antiga e sinuosa… daquelas que já muitos portugueses desconhecem, mas que ainda abundam nos interiores esquecidos. Talvez também por essa razão, o acolhimento é fantástico, como que a pedir ao viajante desculpa pela difícil empreitada de lá chegar.
Trás-os-Montes é região grande e variada. E quando assim rumo a Este, atravessando a Terra Quente, ouvindo a gente, apreciando produtos locais, sou obrigada a reconhecer que a zona de Vila Real pouco tem a ver com esse Nordeste profundo. O mesmo acontece se a incursão for para Norte, em terras de Boticas e Montalegre. Más estradas e clima agreste, secundados pela geografia do terreno, mantiveram cada terra com seu uso… E se era bom que se resolvessem as incomodidades e dificuldades dos acessos – o que está ainda longe de acontecer –, seria muito agradável que ao mesmo tempo se mantivesse a diversidade de produtos e tradições gerados na anterior pobreza e isolamento…
No meu pesadelo chovem papéis sobre a minha cabeça. Amontoam-se-me à volta os decretos, os despachos, os convites, as cartas, os anúncios, os regulamentos, normas e circulares , avisos, informações, reclamações, notas explicativas, formulários, grelhas… Tento agarrá-los, evitar que se depositem em torno de mim, lê-los. Mas escapam-se-me das mãos, dançam na minha frente, fogem-lhes as letras… Cresce a ansiedade e a aflição à medida que vou ficando submersa…
Para já tenho sido salva, in extremis, pelo despertador!