22.10.08

P.460: Da saciedade e da negligência

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A comida é boa e a ementa razoavelmente variada. No entanto, naquele dia em que prolongámos o jantar com uma conversa demorada, o pessoal da casa, uma família que se dedica com sucesso à cozinha tradicional numa antiga tasca remodelada, mandou vir pizza, sentou-se na mesa do fundo e deliciou-se com o “pitéu” da concorrência…! Razões? Está bom de ver: a nossa comida também cansa… estamos um pouco saturados. Ganhou a franqueza à publicidade.
Motivada, talvez, pela visão do prato italiano em vez do esperado bacalhau assado, recordei o desespero dos tenagers da família numa semana de férias passada em Itália: Que é feito da boa lasagna, dos cannelloni suculentos, do delicioso spaghetti alla bolognese…?! Nesse particular a expectativa italiana gorou-se-lhes! Tão apreciada no mundo e tão internacional e ali, no país onde nasceu, pouca oferta e sofrível qualidade…!

15.10.08

P.459: [ãtoniu loβu ãtune§]


Lembrei-me várias vezes dele o fim-de-semana passado, de crónicas de um seu livro lido há muitos anos. Falava de gente apanhada nos pequenos, repugnantes, ridículos detalhes das suas figuras e situações, captados por um olhar inclemente que, à vista desarmada, não parece ser o do autor, mas ali – e tantas outras vezes – se revela assim. Era o montículo de caspa sobre o ombro, o pedaço de comida entalado nos dentes, a melena besunçosa roçando-nos o rosto no beijo de cumprimento, o cheiro sovacal que nos apanha na passagem, o ponto negro pontuando o queixo luzente, pêlos abundantes ou, pelo contrário, rarefeitos, jovialidades parvas, efusividades desmedidas, apertos de mão amolecidos… Ou se não era isto, eram coisas de idêntico calibre, humanas misérias, enfim. E, na altura, pensei na tristeza e solidão de quem assim perscrutava um mundo circundante de companhia tão lamentavelmente feio!
Mas talvez seja, afinal, mais uma questão da responsabilidade do tempo, esta do atentar sem remédio nos pequenos, repugnantes, ridículos detalhes das figuras e situações. Vem-me acontecendo agora. No sábado, dia de “evento” cultural, com alimento para o cérebro e para o estômago, sofri quase até ao vómito essa visão radiográfica da companhia circundante, entre petulâncias e alarvidades, fugindo quanto pude tanto a perdigotos de comensais como a snobismos de intelecto… E sou eu agora que me lamento por assim escrutinar um universo triste de pequenas misérias humanas.
Lembrei-me de António Lobo Antunes.

11.10.08

P.458: Diálogo simplificado das emigrantes falhadas



– …
– Pois é… Olha, devíamos emigrar!
– Já pensei nisso, sabes?...
– Sim? Também tenho pensado. Mas pra onde? África?...
– É um continente perdido. América?
– Há duas, os States e a outra… e nenhuma agrada. Violência, pobreza, corrupção no seu pior…
– Da Ásia, também, o quê…? Pobreza, conflitos, catástrofes naturais… Escapa o Japão, mas ui, que abismo cultural!...
– E os países da Europa, ou sofrem dos nossos males ou estão em vias disso!
– A Suíça não, por exemplo.
– E queres morrer de tédio?!
– Um nórdico?
– Pra sermos emigrantes tristes num país sem Sol?!...
– Humm…
– Bom… Cinema sem pipocas na 2ªf?

10.10.08

P.457: Sistema simplificado de avaliação dos professores

Uma ilustração fiel!
(Recebido por email)

7.10.08

P.456: Vindimas no Douro





A Natureza gosta de nos deixar no embaraço das palavras frouxas, que não dizem da beleza que oferece nem da emoção sentida na contemplação dos seus cheiros, temperatura e cores...

2.10.08

P.455: Crónica de dependências declaradas

Na casa dos 40, conterrâneo, conhecido de vista, de sempre, nunca antes me dirigira a palavra.
Ontem veio, olhar vago e tratando-me por “minha senhora”, pedir dinheiro para o autocarro. A mão trémula recolheu a moeda que a minha, triste no gesto, ali depositou. Nem um agradecimento. A dádiva ficara aquém do preço da sua viagem…
Para mim o custo maior é em tristeza. Vêm, encadeadas, as histórias deprimentes de misérias conhecidas, destas e doutras naturezas. Fico entre fantasmas e almas penadas, debatendo-me em defesa do precário lenho de optimismo que me resta neste naufrágio que é viver…
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