6.2.07

P.178: Centenário_I (4)


Lisboa

«Lisboa é bonita. (…) E de cada colina onde a gente se debruça é um pasmo sem limitações que abrange o céu e a terra na mesma agradecida emoção. Sobre a toalha límpida do rio cai luz a jorros duma lâmpada hialina, escondida no tecto azul do cenário; e o movimento ritmado das embarcações, o perfil recortado do casario e o enquadramento dos longes arredondam a beleza da tela, dando-lhe realidade. E, quer queira, quer não, o espírito fica rendido a uma bênção de cor, de grandeza e de harmonia. (…)
Seja como for, a nação não morre de amores por Lisboa, e sabe-se que Lisboa lhe paga na mesma moeda. É uma mútua hostilidade latente, que os anos não suavizam. O grito doloroso e revoltado que ainda hoje ecoa pelas serras da Beira – «O país não é o Terreiro do Paço!» – exprime uma parte desse desencontro; a ironia e o superior desdém com que o lisboeta fala da província, é outra imagem dele. (…)
Enamorado de si, morreu Narciso à beira de um regato onde se mirava. E as ninfas, compadecidas da sua desgraça, pediram aos deuses que o transformassem numa flor.
Narcisos que fomos também um dia, esperava-nos um destino igual ao do filho de Céfiso. Lisboa é essa flor em que o destino nos transformou; o Tejo o rio onde nos perdemos a contemplar a própria imagem».
Miguel Torga, Portugal
(meus sublinhados)