P.172: O sabor das palavras
Na minha família as palavras são muitas vezes tema. Digamos que, em certo sentido, temos espontaneamente e sem objectivos definidos, uma tendência metalinguística, querendo com o “palavrão” apenas dizer que com a linguagem reflectimos sobre a própria linguagem. Três gerações bem vincadas em convívio e gente ligada às letras, é nisto que dá!
Muitas vezes a reflexão anda à volta do uso e desuso de certas palavras e expressões, de preferências vocabulares, de estranhezas, de enganos, e do cenário de “crise” lexical em que mergulhamos nestes novos tempos. No fundo, olhares de cada um sobre o linguajar dos outros.
As exclamações “pantoija!” e “lorpa!” ou a interjeição de contrariedade “moca!”, abrem, num sorriso, a recordação de uma avó querida…! E quando menos esperamos, estamos a reflectir sobre o futuro da nossa língua a propósito da estranheza de uma irmã, residente um pouco mais a sul, quando a minha mãe solta a proposta: “Íeis… e vínheis…”! Esta, confesso, deu pano para mangas e valeu-nos logo uma “lição” sobre o inqualificável desconhecimento por parte de gente “responsável” da forma, também na 2ª pessoa do plural, mas no Imperativo, “vades”… De facto, “vades”, mãe, ninguém diz…!
Ao desuso, que causa estranheza, junta-se a “preguiça” sulista, que vem por aí acima e só se deterá quando nos tiver reduzido a conjugação a 5 pessoas: os vós serão todos reduzidos a vocês, à 3ª pessoa, para grande satisfação de quem se relaciona mal com os verbos…! E o remédio é seguir, porque a língua é um mar vivo, indomável, e não há dique que trave a sua fúria de mudança!
Em muitos momentos de acesa conversa, a geração mais nova desliga-se com um “tásse bem”, próprio de quem está por tudo e só se empenhará em duelos de palavras se, em fundo, existir uma batida de hip-hop. Não sem lembrar, uma vez mais e com ar de gozo, que deve ser por esse estranho hábito da avó dizer íeis, vínheis e vades que chama também, estranhamente, “as truces” aos seus boxers e “os chicletes” às chicletes que às vezes lhes caem do bolso!!... Mas a verdade, ó terceira geração, é que se a avó não “cata a vossa cena” é talvez porque vos falta o complemento circunstancial de modo, quando afirmais convictos: Está tudo, avó! Está tudo!...
Por obra e graça da entrada de “estrangeiros” na família, certos regionalismos passaram também para a ordem do dia. Mas só realmente um assunto cala, por completo, uma das partes: a informática, a Internet, os links, as janelas, os downloads… e tutti quanti! Não posso permitir que assim seja! Tenho que introduzir a minha mãe neste mundo de conceitos importados e de palavras correspondentes… Veremos se a missão é possível… Oxalá!
Muitas vezes a reflexão anda à volta do uso e desuso de certas palavras e expressões, de preferências vocabulares, de estranhezas, de enganos, e do cenário de “crise” lexical em que mergulhamos nestes novos tempos. No fundo, olhares de cada um sobre o linguajar dos outros.
As exclamações “pantoija!” e “lorpa!” ou a interjeição de contrariedade “moca!”, abrem, num sorriso, a recordação de uma avó querida…! E quando menos esperamos, estamos a reflectir sobre o futuro da nossa língua a propósito da estranheza de uma irmã, residente um pouco mais a sul, quando a minha mãe solta a proposta: “Íeis… e vínheis…”! Esta, confesso, deu pano para mangas e valeu-nos logo uma “lição” sobre o inqualificável desconhecimento por parte de gente “responsável” da forma, também na 2ª pessoa do plural, mas no Imperativo, “vades”… De facto, “vades”, mãe, ninguém diz…!
Ao desuso, que causa estranheza, junta-se a “preguiça” sulista, que vem por aí acima e só se deterá quando nos tiver reduzido a conjugação a 5 pessoas: os vós serão todos reduzidos a vocês, à 3ª pessoa, para grande satisfação de quem se relaciona mal com os verbos…! E o remédio é seguir, porque a língua é um mar vivo, indomável, e não há dique que trave a sua fúria de mudança!
Em muitos momentos de acesa conversa, a geração mais nova desliga-se com um “tásse bem”, próprio de quem está por tudo e só se empenhará em duelos de palavras se, em fundo, existir uma batida de hip-hop. Não sem lembrar, uma vez mais e com ar de gozo, que deve ser por esse estranho hábito da avó dizer íeis, vínheis e vades que chama também, estranhamente, “as truces” aos seus boxers e “os chicletes” às chicletes que às vezes lhes caem do bolso!!... Mas a verdade, ó terceira geração, é que se a avó não “cata a vossa cena” é talvez porque vos falta o complemento circunstancial de modo, quando afirmais convictos: Está tudo, avó! Está tudo!...
Por obra e graça da entrada de “estrangeiros” na família, certos regionalismos passaram também para a ordem do dia. Mas só realmente um assunto cala, por completo, uma das partes: a informática, a Internet, os links, as janelas, os downloads… e tutti quanti! Não posso permitir que assim seja! Tenho que introduzir a minha mãe neste mundo de conceitos importados e de palavras correspondentes… Veremos se a missão é possível… Oxalá!
7 Comments:
Todo o mundo é composto de mudança e também assim serão as línguas. Agora, a evolução não necessita de ser exclusivamente simplificação. A ser assim, é empobrecimento da cultura associada e sinónimo de baixo nível das referências culturais dominantes. Será curioso comparar o brasileiro e o português, por exemplo, em termos de complexidade gramatical efectiva. Não os tempos definidos mas os realmente utilizados e tirar conclusões.
Quanto aos "links", é típico que "primeiro" os estrangeirismos entrem directos, para alguns até dá bom tom e impressiona o auditório, e depois, gradualmente, sejam traduzidos. Há 10 anos dizer "pasta" era rídiculo, tinha que ser "folder"! Por isso, tentemos falar antes em "ligações", apesar de agora parecer rídiculo, e evitemos reverter "formação" para "training".
Eis uma temática que nos levaria certamente a uma longa e pertinente discussão. As línguas - todos o sabemos - são algo que tem vida própria. Porém, reduzir a evolução das mesmas - no caso, a nossa - a um facilitismo absurdo pode comprometer em definitivo o enriquecimento da mesma.
Oxalá - a permanência da influência árabe que agora queremos eliminar enquanto civilização - assim seja.
Uma das causas de evolução das línguas é precisamente a “economia” de meios, o comodismo dos falantes; manifesta-se, sobretudo, na fonética, mas não só… A “simplificação” é uma espécie de lei natural nas línguas, o que não deve confundir-se com empobrecimento.
(Aqui integro o que chamei, na brincadeira, de “preguiça sulista” :-) Talvez do Douro para baixo, seguramente que do Guadiana para baixo, não se usa a pessoa “vós” da conjugação verbal; reconhece-se, mas a formulação passa invariavelmente para a 3ª pessoa – vocês.)
O empobrecimento também pode existir, mas quando acontece tem outras causas. Parte dessa sensação de empobrecimento da língua mais não é do que, por exemplo, desvio dos campos lexicais mais enriquecidos nesta ou naquela fase da evolução.
A língua é, tem que ser, maleável, adaptar-se às necessidades. Quando me interrogo sobre a possibilidade da minha mãe integrar os "links" e "downloads" no seu vocabulário, não falo da estranheza do anglicismo, falo da dificuldade de a familiarizar com o conceito, porque ergueu barreiras relativamente à informática, à Internet, como se de ameaças ao seu mundo se tratasse!
O que nos leva a adoptar numa 1ª fase os termos estrangeiros é o comodismo. À medida que vamos integrando os conceitos, vamos traduzindo. (O software não são programas/aplicações?!!...).
Não temos, é certo, nem a tendência de adaptação/incorporação das palavras dos brasileiros, nem a frenética tendência tradutora dos franceses, com os seus octet (byte), logiciel (software), matériel (hardware)… Vamos com calma, mas vamos! :-)
Abordaste um tema deveras interessante que, por sua vez, originou uma sequência igualmente interessante de comentários.
Talvez seja pertinente pensarmos na língua como um «ser vivo» que, a par da evolução humana, se foi moldando, ao longo dos tempos, às novas necessidades e, consequentemente, exigiu adaptações a realidades anteriormente inexistentes, a fim de cumprir o seu sempre constante objectivo que, afinal, não é mais do que permitir a comunicação.
O aparecimento dos empréstimos, dos neologismos, das adaptações, dos estrangeirismos e de todas as técnicas que imprimem na língua uma evolução irreversível são fenómenos compreensíveis e totalmente aceitáveis.
E se pensarmos bem... o que diriam/pensariam os nossos antepassados ao ouvirem-nos falar hoje em dia?! Ficariam indignados certamente.
A evolução tecnológica e científica que arrasta um turbilhão de mudanças a ritmos alucinantes, obriga-nos a novas descobertas linguísticas, por isso, vamos em frente...
Por mim, só não suporto erros ortográficos e construções sintácticas «embrulhadas». Se digo «link» e o meu interlocutor entende...
Ressalvo que no campo literário ainda não estou convencida que «link» será uma palavra propriamente dotada de significações poéticas... mas quem sabe?! :-)
Eheheheh, interessante post, e bem agradável. Eu chego a dar por mim agradavelmente perdida por entre anotações de "doutrina linguística" (ele há, como sabes, os mais puristas e conservadores, e os mais flexíveis, em prol da constante adaptação de uma língua que se diz viva e que é comum a tantos países, convindo que a dominem (pois-pois!:-S).
Confesso-me que tendo para o primeiro dos casos, não por ser tão fixista, que considere que nada deva evoluir (mas lá que adoro arcaísmos!... Pena que o seu abuso incorra hoje numa deselegância literária, segundo consensos), mas porque sinto a tal perda de riqueza em tantas das passagens de alguns hábitos verbais de ontem para os de hoje; quando não, pena demais por elegermos facilitismos em deprimento de formulações que se encontravam correctíssimas.
Mas enfim... Ao longo dos anos, nunca consegui ter uma opinião claramente firmada sobre a questão em toda a sua amplitude (também não tenho tido oportunidade para falar com entendidos na matéria), e muito menos sugestões.
Seja como for... Gramei! ;-)
Bom...
Sem me querer pendurar em post alheio :) ... está por aí um complemento de reflexão sobre o carácter das linguas
Mais uma achega ao assunto, que me enviou o Carlos :-)
Será engraçado ver isto à luz daquele princípio consagrado de que é nas periferias do "império" de uma língua que ela se mantém mais conservada...!
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