P.324: Presença e ausência
Ainda Deus, num diálogo-monólogo do poeta... Testemunho forte e verdadeiro.
Desfecho
Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
o terror de te ver
em toda a parte).
Fosse qual fosse o chão da caminhada
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente...
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silenciosos na agressão.
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.
Miguel Torga, Câmara Ardente
Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
o terror de te ver
em toda a parte).
Fosse qual fosse o chão da caminhada
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente...
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silenciosos na agressão.
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.
Miguel Torga, Câmara Ardente
3 Comments:
Maria! Não puxe por mim...
o Torga que tanto admiramos terá sido um homem do Portugal profundo do seu tempo. Hoje não iria haver 'tempo' para o ler por dentro e, menos ainda, nas suas dúvidas e medos.
Mas
sobretudo
não me parece que tivesse sido um arauto de qualquer fé que não fosse a da resistência à injustiça, num quotidiano duro de que foi testemunha
A relação complexa, tantas vezes conflituosa, do poeta com Deus é uma das características da sua obra. Na poesia, é sobretudo a perturbação do sujeito poético, na sua fragilidade humana e mortal, que se destaca. Na narrativa, a religiosidade é a da gente que povoa as histórias. O conto «O Senhor», em Novos Contos da Montanha é um belíssimo exemplo da harmonização, num quotidiano simples, entre a divina e a humana condição.
Simplesmente brilhante este poema da negação que se nega.
"Só a negar-te eu pude combater
o terror de te ver em toda a parte" - Negar o que se vê, sendo certo que o que se vê não é o que está a negar...
"Soltei a voz, arma que tu não usas" - É que se a usasse, saíria perdedor! :)
Noutro registo, Ferré: " E mesmo se Deus existisse, seria necessário desembaraçar-mo-nos dele!"
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