P.145: Constatação
Era um hábito, talvez só de cidade de província. No bom tempo, depois dos mil e um afazeres da casa, vinha-se até à varanda, apanhar ar, um pouco de frescura, conversar e ver quem passava! Era coisa de mulheres. Os homens, se vinham, não tardavam e preferiam fazer a mesmíssima coisa caminhando em grupos pelas ruas, estacando a espaços, e obrigando os demais a esperas, para com maior veemência de gestos sublinharem a importância do narrado!
Na família chegámos a ser quatro gerações de mulheres assim empoleiradas sobre a rua, no coração da cidade. Falava-se de tudo, do mais fútil comentário sobre a vida de fulano, à mais séria e útil lição de vida. No tempo da bisavó, que morreu com noventa e cinco anos e só foi à cama poucos meses antes de partir, era certo e sabido que tínhamos comentário à velhice de sicrana e admiração por beltrano ainda estar vivo! Tudo raparigas e rapazes do tempo dela, alguns bons anos mais novos, mas que ela julgava sempre mais velhos e em pior estado… Em dias de procissão, desdobrava-se a bela colcha de seda dourada e deixava-se pender sobre o parapeito e houve vezes até, não muitas, em que me foi confiado o cestinho de pétalas de rosa para atirar.
Depois houve o tempo, menos tempo, de ali alinharmos três gerações. E, quando ficámos só duas, já tínhamos perdido o hábito de ir à varanda!... (Não tinha tomado verdadeiramente consciência desta perda até quinta-feira passada, quando a propósito da palavra curiosidade, em jogo no Fotodicionário, alguém representou a ideia dessa maneira). Razões? De tempo, dos hábitos, da própria cidade transformada…
É mais uma recordação nostálgica.
1 Comments:
Sem dúvida.
Aprendíamos não tudo, mas muito, nestas narrativas de proveito e exemplo...
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