10.6.07

P.307: Tormes

Eça de Queirós nunca viveu em Tormes, nome que começou, aliás, por ser apenas uma designação literária, primeiro do conto «Civilização», Torges, e depois do romance A Cidade e as Serras. A casa da Quinta de Vila Nova ou de Sta. Cruz, onde hoje está sediada a fundação com o seu nome não teve nunca, em vida do escritor, o recheio que hoje possui, vindo na sua maioria da sua casa em Paris, última morada. Mas ainda há poucos dias, a propósito de eventos levados a cabo pela fundação, alguma imprensa voltou ao repetido logro de confundir realidade e ficção, fazendo de Eça Jacinto e pondo o autor a escrever na sua mesa alta, olhando os socalcos e respirando o ar dessa paisagem duriense!
A Quinta fora herança da sua mulher e o escritor visitou-a duas vezes: em 1892 e em 1898. Gostou muito do local e da paisagem, mas não gostou da casa, nem considerou que ela tinha condições de habitabilidade, no estado em que se encontrava.
Quis, no entanto, o destino que fosse precisamente ali que a família acabou por vir habitar, depois da sua morte, fazendo face a algumas dificuldades económicas, que fosse esta a principal morada de sua filha, Maria, e que, por essa via, acabasse por ser também a casa a que hoje mais o associamos.
Atrás da fachada que o autor considerou hedionda, transpondo as escadas laterais de um mau gosto incomparável, encontramos os objectos requintados do homem que precisou de viver Paris para acabar apreciando o Portugal mais profundo e verdadeiro.


Porto, 28 de Maio de 1892
Minha Querida Emília
(…) Seria necessário gastar dinheiro, e bastante, em fazer através de todo aquele belo monte caminhos transitáveis e fáceis. Enquanto à casa é feia; e à fachada mesmo pode-se aplicar, sem injustiça, a designação de hedionda. Tem um arco enorme, e por baixo dele duas escadarias paralelas que são de um mau gosto incomparável.(...)


Quinta de Vila Nova, Santa Cruz do Douro, 2 de Junho de 1898
Minha Querida Emília
(...) A casa, essa, inteiramente me convenceu da sua inabitabilidade. (...) Excelente para guardar milho - impossível para conter uma família.
Os caseiros habitam no casarão uns buracos negros, de incomparável imundície. E nós, o Luís e eu, temos um quarto, o único, que é bom para dois dias e dois boémios.(...)

...

(Fotografias de Carlos Sampaio)

1 Comments:

Blogger kermit said...

Para o bem e para o mal, o Douro melancólico da “Cidades e as Serras” ainda lá está. As famílias que podem fogem do movimento do Porto procuram essa mesma melancolia, pelo menos aos fins de semana.. Vale a pena visitar a casa de tormes, mais pelos objectos – e.g. A “Cadeira de Jacinto” e a secretária do Eça - do que pela casa em si.

junho 12, 2007 6:35 da tarde  

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