Página 86: 25 de Abril, efeitos do tempo
O cravo "estilizou-se" e simboliza, nesta nova forma, outra maneira de viver o antigo entusiasmo, coado pelos anos, sossegado pela vida fácil, quase esquecido no tempo que passou...
À meia-noite, uns foguetes de arraial, por desfastio. Preguiça-se um pouco de manhã. Os escravos da boa forma fazem corrida, os menos preparados caminham e as famílias com crianças pequenas vão ao parque infantil... Uns restos de festa, mais além, são afinal vestígios de um cortejo estudantil... E a tarde escoa-se pondo em dia conversas atrasadas ou aproveitada em tarefas úteis que o trabalho geralmente relega para depois.
Talvez na casa dos adolescentes lisboetas entrevistados na TV para a ocasião, escolhidos a dedo não só por estarem mais à mão, mas porque a sua visível ignorância sobre o significado da data deu ao jornalista a ocasião de preencher o seu próprio vazio de palavras, talvez aí algum pai, tomado de brios, conceda em evocar esse passado histórico recente em que participou ainda novito... A mãe, essa, sobretudo se a conversa decorrer ao alcance de ouvidos indiscretos, procurará alhear-se o mais possível, entretida com qualquer coisa de extremamente absorvente, e lembrada de uma das regras fundamentais de tia que se preza: nunca revelar onde se encontrava no 25 de Abril!
Parece um efeito ingrato do tempo sobre uma tão importante conquista, um passo histórico de gigante... Mas talvez não seja. Talvez o mérito do resultado da revolução se possa medir também por esta possibilidade de "esquecer", ou, dito de outro modo, pela "falta de necessidade de recordar", pela memória voluntária, pela imensa liberdade que isso representa!...
Eu, invariavelmente, recordo onde estava no 25 de Abril... e com quem... e por isso geralmente verto algumas lágrimas pelos meus heróis familiares perdidos, os que se congratularam e aplaudiram e os que lamentaram, preocupados... Todos tinham razão, como o tempo se encarregou de provar! E o meu 25 de Abril, antes de ser um feriado no calendário, foi um dia de intensas discussões, de conjecturas, de incerteza, de adrenalina!!!...
Visão plural sobre a data:
5 Comments:
"Seria bom, sobretudo para quem não o viveu, que o 25 de Abril fosse comemorado pelo seu futuro, pela positiva e não em evocações cansadas, enfáticas e quase saudosistas."
Sentido... intenso... algo que nunca saberei o que é.
gostei muito! valeu a pena o feriado!
;-)
sim, gosto sempre de lembrar.
passar-se pela História é muito grato.
Eu estava nio liceu e mandaram-nos para casa. Era tudo novo e lindo nesse tempo cujos sonhos somos incapazes de comunicar aos mais novos. Mas compreendo-lhes o alheamento.
Faltou o machado!
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